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terça-feira, 03 outubro 2023
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Um dia de domingo

O meu domingo começou relativamente calmo e aparentemente normal. Da janela vi que a neve que caiu no sábado ainda não derreteu, o que significa que está muito frio e que, provavelmente, não sairei de casa. É dia de Championship no Football e meu marido torce pro LA Rams. Ouvi falar que eles não chegam ao Super Bowl desde 2018. O jogo deles é tipo o do Corinthians, sofrem até o último minuto. Haja coração!

A casa está organizada, comida feita, gatos alimentados e plantas regadas, tudo pronto pra que eu edite mais um episódio do meu Podcast e prepare as próximas pautas da semana, enquanto o “pré game” está com todas as apostas aquecidas para o jogo. Abro minhas anotações e vejo que vamos falar sobre a saúde mental, física e econômica da mulher preta e de relacionamento afetivo e não afetivo.

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Um dia de domingo

O Rams ganhou, mas o domingo entristeceu. Havia vários avisos no celular que eu estava ignorando, mas aí abri um Twitter do Questlove que replicava a notícia da morte, por suicídio, da Cheslie Kryst: mulher, preta, 30 anos, miss USA. Antes de se jogar do seu apartamento na manhã gelada de domingo, ela escreveu em um bilhete “deixo tudo para minha mãe” e postou no Instagram “Que este dia te traga descanso e paz”. Eu chorei.

Chorei como se a conhecesse e como se eu tivesse, de alguma forma, falhado. Chorei porque ela sou eu e tantas outras meninas e mulheres pretas que, muitas vezes, sentem dor, mas foram “ensinadas” a serem fortes. Chorei porque sei que ela não é a única. Fiquei brava, julguei, questionei e me abracei como queria ter abraçado a Cheslie naquela manhã.

Há anos não escrevo algo para publicar, mas não consegui dormir pensando em quantas outras meninas e mulheres pretas como eu podem estar precisando saber que são amadas, que não estão sozinhas e que a dor tem, sim, um fim.

Mulheres pretas que, assim como eu, já se acharam insuficientes, feias e pouco atraentes devido aos traumas vividos quando crianças, tempo no qual as amigas brancas da escola sempre namoravam enquanto elas eram ótimas para serem as amigas de todos. Mulheres como a Natália do BBB 22 que, depois de rejeitada pelo crush número 1, ou a jovem que teve o coração partido pelo número 2, ainda passou por abusos na relação por medo da solidão.


Nós, que ganhamos um pouquinho mais de confiança quando vimos a Cheslie e outras misses pretas, inclusive no Brasil, serem coroadas, mas que neste domingo, percebemos que ainda temos muito a caminhar porque, mesmo coroadas, muitas de nós não se sentem merecedoras da vida, do amor, de nada.


Positivamente, muito tem sido falado sobre a solidão e a saúde mental da mulher preta no Brasil. Aqui nos USA não é diferente. Dados apresentados em 2020, na Câmara dos Deputados, pela pesquisadora Luana Alves (Faculdade de Medicina da USP), mostraram que a saúde mental das populações negras no Brasil está mais comprometida do que a das pessoas não negras. São vários os fatores e estes influenciam diretamente os aspectos físicos.

Já aqui nos USA, a terapeuta Nedra Glover Tawwabi, também escritora do NY Times Best-Seller “Coloque limites, encontre paz”, afirma que 100% da população norte-americana vive e/ou convive com problemas relacionados à saúde mental e ligados à ansiedade. Ambas já pontuaram que as mulheres pretas são as maiores vítimas da depressão, dos adoecimentos afetivos, ansiedades, insônias, enfim, de todo tipo de distúrbio que afeta nosso bem-estar.


Eu vivi em depressão por anos. E durante anos também disse que não iria me casar, que isso não era para mim. Foram muitas as micro (e macro) agressões que me fizeram afirmar isto. Mas acredito que a maior de todas foi ouvir, testemunhar e participar de uma cultura na qual dizem, em todos os meios possíveis, que não cumpro os padrões de beleza, de mulher pra casar, de sofisticação, de traços finos, de cabelo bom… Foram muitas. Mas, em 2021, a garota que sempre disse ‘não’ apenas disse ‘SIM’!

Contrariei todas as estatísticas que apontavam que eu não chegaria a ter uma união afetiva sem vírgulas. E esse momento triste e pandêmico que estamos passando me fez perceber, após várias sessões de terapia, o quanto é importante amar, sonhar, alcançar, conquistar, entregar, estar presente, doar, liderar, inspirar e, principalmente, se amar e se sentir merecedora de vida… Silenciar a voz externa que diz que não podemos e que nos fere sem “dó nem piedade”.

Ainda estou com o coração apertado, mas, hoje, só desejo que a Cheslie e tantas outras mulheres pretas encontrem a paz que foi tirada delas. Também desejo que todas nós não nos esqueçamos que somos merecedoras de vida, de amor e que qualquer “ser” que se opuser a isso, não merece fazer parte do nosso ciclo. Que sempre nos lembremos que por mais difícil que esteja, sempre haverá também motivos para não desistirmos. Cuidemos e honremos as nossas meninas e mulheres pretas.


Acreditem, aquela frase que viralizou é real: Uma mulher preta feliz é um ato revolucionário”.


Você é amada e está neste plano por uma razão. Ninguém é perfeito e redes sociais têm mais filtros e efeitos que a realidade!


Por isso, não se compare, pois como diz uma grande amiga minha, Cris Guterres, “quem compara, sempre perde”. Não se isole, não lute em silêncio. Sororidade existe e sempre haverá alguém que entende e compartilha do mesmo sentimento. Procure ajuda de especialistas e cuide da sua mente como você cuida do seu físico para aquele post.


Se cuidem e se amem.

Sobre a autora 


Elis Clementino é brasileira, jornalista, está em Nova York há seis anos, já atuou como head de marketing de duas marcas de luxo e atua em diferentes áreas da comunicação nos Estados Unidos. Elis é também co-autora do livro-reportagem “O silêncio é cúmplice. Violência contra mulher é crime”; co-criadora do “Selo da Diversidade na Cidade de São Paulo” e co-fundadora do Kilomba Collective, primeiro coletivo de mulheres negras brasileiras nos Estados Unidos. 

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