Durante a Copa do Mundo, é inevitável não pensar em futebol. De forma positiva ou negativa, os países que participam da disputa – e mesmo os que não participam – se viram para os jogos. É o caso inclusive do Brasil que em todos os Mundiais teve a honra de competir. E não importou o país sede dos jogos: sempre tinha brasileiro torcendo com muito fervor na arquibancada: vezes mais, vezes menos, mas sempre alguém presente.
Nos casos de países distantes, alguém branco. Observar o Brasil em campo é assistir à diversidade do nosso país: o time apresenta boa parcela de atletas negros, que são a maioria da população no país verde-e-amarelo. Já não se pode dizer o mesmo sobre a torcida brasileira que ocupa as arquibancadas dos estádios russos. Lá, majoritariamente homens e mulheres brancos dividem o espaço e vibram pela vitória.
Isso porque a população negra não é só a mais encarcerada, mais desempregada, mais executada. É também a mais pobre. Apenas o voo de ida e volta para a Rússia custa de 5 a 7 mil reais, sem contar hospedagem, alimentação, custo dos ingressos. Os torcedores brasileiros negros torcem em bairros como o Jardim Peri, na Zona Norte de São Paulo, casa de Gabriel Jesus.
Antes do início da Copa, em meados de maio, a Fifa emitiu um comunicado sobre os países que mais compravam ingressos para a competição. Naquele momento, 1.698.049 ingressos já haviam sido comprados e destes 65.863 no Brasil – não necessariamente por brasileiros, mas no território -, o que deu ao país com o maior número de mortes violentas do mundo o título de terceiro país que mais comprou ingressos para o Mundial.
Não se ver na torcida brasileira que torce na Rússia é também não se reconhecer. Para a população negra, é entender subjetivamente que não viajará para longe a menos que seja o jogador de futebol. E, ao contrário do que se pensa, nem toda criança negra quer jogar futebol. E mesmo que queira, tem nesse desejo uma série de desafios a enfrentar para chegar lá, inclusive o dinheiro que falta para as peneiras ao redor do Brasil.
A ausência de torcedores brasileiros negros nada mais indica do que os reflexos da falsa democracia racial. O racismo estrutural não afeta só o psicológico, afeta também o bolso. E afeta a torcida.