Preciso começar dizendo que, desde que o Tom (Pinheiro, que é cineasta, produtor executivo, diretor e CEO da Ori Imagem) me falou esse termo pela primeira vez, ele não sai da minha cabeça. Talvez a gente até escreva só sobre isso depois. Mas não é “engraçado” como a gente enxerga neutralidade onde não existe? Cinema tem sotaque! Porque quem você é, de onde você vem, o que você faz importa. Quando a gente vem dessa perspectiva de que o cinema negro é negro, às vezes a gente esquece que o cinema branco é branco e abraça uma ideia de universalidade que simplesmente não existe. E aí mora a riqueza da discussão sobre um cinema com sotaque e, consequentemente, de “Medo Além da Tela”. Conversamos com Tom para conhecer um pouco mais do contexto de sua carreira e o andamento da produção.
Ocupando lugares diversos
“Medo Além da Tela” é um filme de orgulhar Valter Rege. Pra quem não conhece, ele é cineasta, escritor, preto e, como ele mesmo se identifica, blogayrinho de favela. Ele usa suas redes para falar sobre a importância da contratação de pessoas negras e de pessoas da periferia para além dos que vão aparecer na tela.
O filme está precisamente neste lugar. A equipe tem, em sua grande maioria, pessoas negras que se uniram para dar forma a esta produção durante a pandemia.
Para além da equipe, o tema do filme também abre caminhos no cenário baiano: trata-se de um terror slasher/psicológico. Num contexto em que pessoas negras começam a receber certa visibilidade no audiovisual, é importante que ressalta que pessoas negras podem e escrevem sobre assuntos diversos, não só sobre racismo. E é importante que essa discussão aconteça porque muitas vezes esses são os únicos lugares que lhes são reservados.
De volta ao terror: os slashers têm por característica histórias de terror envolvendo assassinos que matam aleatoriamente, usando máscara ou algum tipo de adereço que preserve a sua identidade. O terror psicológico, por sua vez, carrega simbolismos a partir de uma nova forma de criar o cinema Horror. É um cinema que agrega também visões politicas e sociais, marcado por uma inovação e autenticidade.
Medo Além da Tela
“Medo Além da Tela” segue uma tendência do cinema nacional, que vem abrindo espaço para filmes do gênero. O terror slasher sempre atraiu público para o cinema, desde os anos 70, com narrativas marcadas pelo subtexto social e político de sua época. Já o terror psicológico vem ganhando cada vez mais a cena sobretudo no cinema mundial, com diretores como Jordan Peele (de “Corra!” e “Nós”) e Ari Aster (de “Hereditário”).
O curta-metragem “Medo Além da Tela”, do diretor Tom Pinheiro e com roteiro de Igor Correia, promete aguçar os sentidos dos fãs de filmes do gênero. A obra,
realizada pela produtora baiana Orí Imagem e Som, conta a história de quatro colegas de trabalho que se reúnem em uma plataforma online de vídeo-chamada e passam a ser aterrorizados por um invasor mascarado, atuando em plena pandemia de Covid-19.
Tom nos contou que o filme está nos últimos cortes e deve ser finalizado entre outubro e o início de novembro. A obra, que já foi contemplada pelo Prêmio Conceição Senna de Audiovisual, da Fundação Gregório de Mattos, deve seguir então pelos principais festivais nacionais e internacionais de cinema. Além disso, deve ter exibições de pré-lançamento em Salvador e possivelmente em plataformas online. Por enquanto, o filme não está vinculado a nenhum serviço de streaming.
Por trás das câmeras de “Medo Além da Tela”
Não é de hoje que a representatividade na frente e atrás das câmeras é um tema presente no audiovisual. Também sabemos que ter protagonismo negro em um filme não garante uma boa narrativa de cinema negro.
Para Pinheiro, para além dos atores, ter uma equipe majoritariamente negra “nos possibilita buscar um outro tipo de olhar e fazer cinematográfico. Aquilo que poderíamos chamar de imprimir o nosso sotaque, o nosso jeito de fazer cinema. Um cinema que se pretende. Criar narrativas do nosso ponto de vista. E criar um tipo de cinema menos hirearquizado, mas coletivo e com relações humanas melhores.
Tom Pinheiro
Tom tem um currículo vasto tanto de estudo quanto de produção no audiovisual, inclusive você pode conferir um pouco mais sobre o que ele já criou no site de sua produtora, a Orí.
Aqui vamos nos concentrar no que ele nos contou a respeito de suas referências. Ele, que já atua no cenário há mais de 16 anos, lembra que suas inspirações iniciais foram Spike Lee e Ousmane Sembène, que o inspiraram a fazer cinema a partir dos filmes de Malcom X, Drop Squad e Barrom Sarret.
Depois disso, Pinheiro passou a atuar ativamente no MNU e na organização Reaja e participar dos encontros de cinema negro, onde conheceu outras referências cinematográficas, como Zózimo Bulbul, Rigoberto López, Idriss Diabaté, Cheick Oumar Sissoko, Haile Gerima, Newton Aduaka, Pascale Obolo, Nadine Osobogo, Claude Haffner e Manthia Diawara. É assim que Tom constrói seu cinema com sotaque.
Grande defensor de que pessoas negras podem criar o que bem entenderem (o que pode parecer óbvio, mas sabemos que muitas vezes o convite só vem para abordar temáticas raciais), Tom também divide que os gêneros com os quais mais têm trabalhado recentemente são terror psicológico e comédia romântica.
Seu próximo longa será “O Baiano Precisa Ser Estudado”, com roteiro de Heraldo de Deus. Outros dos projetos que Tom está dirigindo são os documentários “Um percurso sobre o Corpo e Ancestralidade” e “Vovó Cici Vai ao Benim”. O primeiro conta a história da multiartista Inaicyra Falcão e o segundo histórias de griot (Egbomi Cici), que ajudou a revelar cerca de 11 mil fotos sobre a África e só conhecia o continente pelas fotos e estudos e, aos 80 anos, pisa pela primeira vez no continente e reconhece todos os lugares que já conhecia pela fotos e por essa ligação ancestral.
Acompanhe as redes sociais de Tom e de “Medo na Tela” para saber das próximas datas e trabalhos.