Existe um momento certo para discutir violência policial com crianças?
Eu estava no carro, com meu companheiro, meu sobrinho de 10 e minhas sobrinhas de 14 e 6 anos. Uma viatura da polícia passou por nós e meu sobrinho fingiu que ia se esconder no carro. Eu entrei em pânico primeiro e depois expliquei que ele era um menino preto e não podia se esconder da polícia nem de brincadeira. Ele ficou meio assustado, mas disse que sabia. Eu disse que a polícia já não precisava de motivos para querer abordá-lo e que ele não poderia se comportar dando qualquer motivo.
Minha sobrinha, de 6 anos, que, quando era pequena, gostava de passar por policiais e fazer carinho na cavalaria me perguntou, também assustada: “Por quê? A polícia não gosta dele porque ele é pretinho?” Meu mundo caiu. Tudo que eu tinha pra dizer até aquele momento sumiu e eu só queria chorar. E aí respondi que sim. Quando é o momento de falar com as crianças sobre violência policial?
Há 4 anos, compartilhamos em nossas redes sociais um vídeo de crianças e seus responsáveis falando sobre violência policial. Sobre como se comportar, como reagir. Sobre violências que aqueles adultos já haviam sofrido nas mãos da polícia. Acompanhe aqui embaixo. O vídeo é comovente, mas também urgente e a conversa necessária, por isso resolvemos estender a reflexão.
“Viajar” tem referências de Tia Má a Racionais
O receio da conversa sobre violência policial
Há um receio a respeito do momento de determinadas conversas durante a infância, não acho que seja uma exclusividade de conversas sobre violência policial e nem com crianças pretas.
Muitas são as conversas conservadoras a respeito da educação sexual nas escolas, por exemplo. E essas duas reflexões têm, inclusive, um ponto em comum: Não tê-las não vai fazer com que as crianças não sejam expostas à violência. Seria essa discussão uma interrupção da infância? Será que ter essa conversa não serviria justamente para tentar, de alguma maneira, minimizar os traumas que esses indivíduos poderão sofrer?
Ah, sim, esse é outro ponto. Crianças são indivíduos. Não seres em formação, não adultos em miniatura. São indivíduos. Na sociedade adultocêntrica em que estamos inserides, há uma forte tendência de colocar a criança no lugar de alguém inferior, incapaz de produzir ou de sequer absorver conhecimento.
E, no caso de crianças pretas, há, obviamente, uma preocupação sobre quando falar sobre como a cor de suas peles pode servir de alvo de violência e desumanização. Para o professor, doutor e escritor Molefi Asante, por exemplo, é importante que crianças negras conheçam sua história. E não estamos falando da história da escravização, mas sobre uma conexão com seus ancestrais. E, então, conhecendo sua história, mas também o que a colonização impôs para nós enquanto diáspora, talvez estas importantes discussões possam caminhar lado a lado.
É importante ressaltar que, apesar da importância de pensarmos nos impactos que estas conversas e acontecimentos têm em crianças negras, também precisamos refletir sobre o momento em que essas conversas acontecem com crianças brancas. Afinal, onde está a educação e as ações antirracistas que tanto defendemos?