Observei atenta as flores, os recados nas redes sociais, os chocolates. Escolhi, no entanto, gritar meu silêncio. Não recebi nenhum abraço de felicitação. Ainda bem. Meus amigos me conhecem o suficiente para entender que esse não é um dia feliz. De que serve um dia de paz para outros 364 dias de guerra? Agora, uma semana após o dia em que mulheres recebem carinho, posso falar.
Já não vejo homens carregando rosas nas ruas, mas sei que muitos deles machucam suas companheiras com seus espinhos. A timeline está vazia: nenhum dos colegas universitários que ‘comem mesmo aquelas gostosas’ postando foto de suas mães e desejando um feliz dia da mulher para a mulher de suas vidas. Nada de chocolate também, afinal, quem quer uma namorada gorda?
E as mulheres negras? Continuam presas dentro da discussão de ser ou não ser negra, tocada inclusive pela própria academia preta, enquanto varrem o chão de sua senhora branca que na semana passada saiu para jantar com o marido enquanto elas cuidavam dos filhos brancos, bem como as amas de leite. Porque oito de março não é feriado e eu peguei ônibus com muitas empregadas domésticas enquanto ia para a universidade.
Na universidade, teve café da manhã e muito amor. As professoras são minorias e, às vezes, quase silenciadas. Sorte que são brancas. Porque professoras negras ali na comunicação, não tem – aliás, nem homens negros, mas essa discussão fica para outro dia. Mas as mulheres negras estavam limpando os banheiros, sem receber nenhum feliz dia das mulheres dos alunos que pisavam ali com os pés sujos.
Apesar de querer gritar em cada uma dessas situações, eu fiquei em silêncio. Para lembrar das minhas escolhas enquanto mulher e também das minhas dificuldades enquanto mulher negra – embora de tom claro. Percebi o quão difícil é um emprego com esses cabelos crespos e cheios de volume. Me lembrei da minha mania de autossabotagem: queria um canal no youtube, lançar minhas músicas, abrir meu negócio. Queria. Só queria.
Porque, na verdade, me falta coragem. Percebi o quanto demorei a entender minha liberdade sexual e lembrei que, ainda assim, quando digo que não quero mais, insistem deliberadamente. Se tem roupas minhas na casa do antigo ‘companheiro’, não me devolve por capricho. Espera que eu busque e que nessa oportunidade, eu transe novamente com ele.
E que linguagem escancarada nesse texto, mas é para lembrar de tirar as máscaras às vezes e me aceitar. Porque a minha libertação é também a libertação de outras mulheres que, assim como eu, ficaram em silêncio nesse último 8 de março, bem como em muitos outros. São as mulheres que cuidavam dos filhos das que lutavam por direitos civis. São as mulheres que prendiam seus cabelos crespos e enchiam a raiz de creme.
Eu sou as mulheres que tem essa data como qualquer outra. Sequer recebem rosas. Porque rosas são caras em tempos de crise. Mais ainda, apesar de belas podem machucar. Bem como essa vida de encontros e desencontros dentro de si mesma, em consonância com a resistência em ser o que se quer ser, sabendo que não se pode. Porque, infelizmente, nossos contextos não se parecem com aqueles das mulheres dos comerciais no comercial dia 8 de março.
Em uma semana, tudo voltou ao normal. Os hematomas. Os abusos. Os desrespeitos. As pobrezas. Os ostracismos. As arrogâncias. Os gritos também, inclusive o meu para lembrar que de nada adiantam as flores, se não respeitam nossas dores.
Preta. Pobre. Poeta. Periférica. Prounista. Filha de Oxum, tem paixão pela palavra e estuda o último ano de Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie.