O Porta dos Fundos é conhecido pelo humor promovido a partir da visão mais progressista realizada por um elenco branco, padrão e classe média alta. Embora apresente, algumas vezes, pertinentes reflexões acerca de momentos políticos, históricos e sociais, o grupo sempre foi criticado pela ausência de atores e atrizes negros nos vídeos amplamente divulgados nas redes sociais. Talvez por isso, os humoristas tenham inserido uma Iemanjá negra em um dos últimos episódios publicados.
A princípio, parecia representatividade: os orixás cultuados nas religiões de matriz africana geralmente são representados por corpos brancos e, por isso, uma Iemanjá negra seria sinônimo de cuidado com as questões identitárias, além de valorização à diversidade, finalmente. Ledo engano.
Na tentativa de explicar como seria caso a cor das roupas utilizadas no ano novo influenciasse direta e rapidamente a vida de quem usou, citaram amarelo como dinheiro e azul como paz, num roteiro até respeitoso. Quem sabe a tentativa não fosse justamente de lembrar como práticas umbandistas e candomblecistas são cultuadas nessa fase do ano, como pular ondinhas e usar cores com significado, para remeter ao fato de que no resto do tempo essas mesmas religiões são tratadas como profanas – isso quando não são satanizadas.
Deixaram, no entanto, o desrespeito para o final. É claro que por trás de toda a simbologia, havia banalização e objetificação, tanto da crença, quanto da mulher negra. Nos últimos minutos, um dos personagens aparece e Iemanjá reconhece que ele usou vermelho na passagem de ano. E, já que vermelho teria uma conotação amorosa ou sexual, ela se propõe a fazer sexo oral no homem.
É assim que termina o vídeo do Porta dos Fundos que parecia finalmente incluir um elenco negro. Talvez, Iemanjá dessa vez fosse negra para facilitar o processo de sexualização e objetificação ao qual mulheres negras são submetidas diariamente: se a representação da orixá fosse branca, talvez não houvesse tantos comentários no vídeo do Youtube lembrando que “estavam de vermelho”, fazendo referência ao final do episódio.
Parece sempre necessário avisar ao campo progressista branco, que não vale apenas criticar o racismo dos outros. É necessário identificar o próprio racismo. Mesmo que outros vídeos humorísticos tenham envolvido religião, não colocariam Jesus ou uma santa católica propondo sexo oral. A grande questão não é abordar orixás no humor: isso é possível e muitos filhos de santo ou humoristas negros conseguem fazer rir sem desrespeitar. O problema é sexualizar uma orixá. Ao mesmo tempo, sexualizar uma mulher negra. E, além de tudo, se dizer militante.