Autores enfrentam um problema para descrever um personagem negro, isso é só um sintoma da falta de representatividade por trás das telinhas
Algumas produções ainda pensam em uma história escrita para os negros com a temática escravista; autores brancos sentem dificuldade em simplesmente criar um enredo que possa ser interpretado por atores negros e a produções de pretos e pretas não ganham o espaço merecido, ou a oportunidade de ser veiculada na grande mídia. Mas aí vem o questionamento: por que é tão difícil, para os brancos, imaginar uma família negra em seu cotidiano normal?
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A novela “A Próxima Vítima”, de 1995, escrita por Silvio de Abreu trouxe uma família negra que tentava se desvincular dos estereótipos já conhecidos. Na trama, Antônio Pitanga interpreta Cleber Noronha, um contador honesto, casado com Fátima (Zezé Motta), pai de Sidney (Norton Nascimento), Jefferson (Lui Mendes) e Patrícia, interpretado por sua filha na vida real, Camila Pitanga. O núcleo foi criado a pedido de Antônio para o autor Silvio, que demorou três anos para entender o que seria criar um enredo para uma família negra. “Silvio levou três anos para escrever uma família negra. Em sua ingenuidade, ele me disse: ‘demorei a entender que era o mesmo que escrever para uma família branca’. Levou três anos para cair essa ficha” – entrevista feita pelo El País em 26 de janeiro de 2020, para a matéria sobre a homenagem na 23ª Mostra de Tiradentes.
Um outro destaque foi para a novela “Pecado Capital”, de 1975, em que Milton Gonçalves interpretou o Dr. Percival. Um médico negro na televisão brasileira foi recebido como um avanço, porém – mais uma vez – o papel foi um pedido do ator para a dramaturga Janet Claire. A questão do negro passa despercebido ao branco, se ninguém pediu ou não falou algo, quer dizer que não precisa. Em um país onde mais de 50% da população é negra, a representatividade teria que ser a regra e não a exceção. Já em “Pátria Amada”, novela antecessora de “A Próxima Vítima”, a abordagem da representação foi criticada pela audiência. O personagem do jardineiro Kennedy (Alexandre Moreno) sofreu diversas injúrias raciais do protagonista Raul (Tarcísio Meira) e nada aconteceu na trama. Kennedy mal pode se defender e a cena se tornou pesada e sem fundamento, apenas mostrava explicitamente como um racista, no caso Raul, se referia a um negro. Para tentar abafar o caso, a emissora disse na época que o enredo era para chocar e até mesmo combater o preconceito, mas na verdade ele só mostrava mais do mesmo: um branco no poder humilhando seu subalterno.
O problema está exatamente em tentar encaixar a população negra em um quadrado cercado somente pela história da escravidão e pelo passado, assim se esquece da pluralidade dentro de uma família negra, do normal, da vivência fora do fetiche branco. Por isso, a importância de autores negros que escrevam sobre a realidade sem medo, sem preconceito e sem estereótipos. Atualmente os autores mais reconhecidos são brancos, em sua maioria homens, os nomes se repetem, algumas mulheres estão começando a ganhar mais espaço e tramas mais conscientes estão sendo produzidas, mas nada disso apaga a falta de roteiristas e dramaturgos negros.