Em algum momento durante a pandemia, que, por conta desse looping que nós estamos vivendo, eu já nem sei precisar se foi esse ano ou ano passado, uma amiga, a professora e pós-doutora Jaira Harrington, me pediu referências de mulheres negras brasileiras ou latino-americanas ambientalistas. Na época, eu não soube indicar nenhuma de prontidão. Depois, conheci o trabalho da Mariana Inglez, através de um texto que ela escreveu falando um pouco sobre esse não lugar de mulheres negras nas ciências. E só muito depois vim conhecer Marcela Bonfim, que é economista e também fotógrafa e traz o seu olhar singular para a exposição amazônica “Madeira de Dentro. Madeira de Fora.” Pra mim, essas histórias estão conectadas porque assim como quando pensamos em ciências, não pensamos em mulheres pretas, quando pensamos em fotografia, também não. Quando pensamos em Economia, também não. Quando pensamos na Amazônia, também não. Mas nós estamos ocupando estes lugares e isso precisa ser visto.
Marcela Bonfim
Quando li sobre a história de Marcela, lembrei muito da história do meu pai. Meu pai começou a trabalhar em uma empresa um pouco antes ou depois de eu nascer e lá ficou até se aposentar. O que eles têm em comum é que, assim como o meu pai, a Marcela foi ensinada a acreditar em meritocracia. Meu pai conseguiu esse emprego, depois que eu e meu irmão já éramos relativamente grandes, fez faculdade e, por ter sido bem sucedido, defende que, se você quer alguma coisa, é só se esforçar bastante porque “quem acredita, sempre alcança”, né?
No caso da Marcela, assim que começou sua busca por um emprego, depois de se formar em Economia pela PUC-SP, ela percebeu que seu esforço não seria o suficiente em uma sociedade marcada por diversas intersecções de desigualdades e injustiças. E esse momento trouxe várias lembranças que infelizmente são comuns em infâncias negras: ela se lembrou de que na escola logo recebeu o título de “a mais engraçada, a palhaça da sala de aula”.
Muito influenciada por todo esse contexto, em 2012 Marcela comprou sua câmera fotográfica.
Madeira de Dentro. Madeira de Fora.
A câmera serviu para que Marcela fosse em busca de sua negritude. Por isso, em Rondônia, começou a fotografar homens, mulheres, crianças, jovens e velhos negros e negras na Amazônia em comunidades quilombolas, rituais de terreiros de candomblé, festejos religiosos, penitenciárias. O registro também buscou retratar o negro em seu emprego, na grande maioria exercido em atividades domésticas.
As lentes também captaram a resistência pela preservação da cultura e costumes e a beleza da estética negra. A fotografia foi um resgate da própria identidade de Marcela enquanto mulher negra e foi na Amazônia que ela “enfrentou” a cor de sua pele.
Agora, sim, o trabalho de Marcela tem recebido parte de seu devido reconhecimento. Recentemente, ela recebeu o Prêmio Pipa 2021, que homenageia as mais relevantes obras de artes visuais.
Vendo a beleza e a importância de seu trabalho, nem dá pra acreditar que Marcela não reconhecia tudo isso dentro de si. Talvez por isso também o título de outra de suas exposições seja “(Re)conhecendo a Amazônia Negra”. Para conhecer a exposição, vá direto ao site.