A partir de hoje, o TNM vai mostrar o diário de uma bailarina e mulher negra, que roda o Brasil em busca de conhecer os vários tipos de dança Afro que temos por aqui. Camila Camargo vai nos levar por uma viagem cultural e experimental pelo universo da dança Afro.
O início de uma viagem pelas danças afro no Brasil
Quando se é criança na cidade de Porto Alegre, se estuda em escolas comuns, se tem uma família de classe média em que todos (ou quase todos) trabalham de segunda a sexta-feira, reúnem-se em almoços aos domingos, e no final do dia assistem a programação dos canais abertos da televisão, é quase impossível se descobrir que danças afro são muito mais que os ritmos comerciais axé, samba, funk. Congo, coco, afoxé, maçambique, carimbó? É… Existem outros tantos ritmos que fora da indústria musical carregam tradição, cultura e resistência. E foi ao saber disso, que eu, amando dançar ballet clássico, saí de casa para ver e sentir a cultura afro e suas raízes.
Assim começou a minha viagem por algumas poucas cidades do Brasil, dançando, reconhecendo no corpo as batidas e encontrando gente que trabalha para que a cultura popular dançada resista. Sou Camila Camargo, negra, publicitária e bailarina, e nas próximas semanas vou contar um pouco dessa curta e gigantesca experiência.
Parada 1: Afro-Sul Odomode, ainda em Porto Alegre
Como foi para outras inúmeras pessoas, meu reconhecimento de ritmos afro começou dentro do tradicional espaço da cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul: Instituto Sociocultural Afro-Sul Odomode.
O grupo Afro-Sul de Música e Dança é uma instituição cultural que funciona como movimento de luta e valorização da cultura negra e do direito a livre expressão da pessoa humana. Foi criado na cidade em 1974, com o objetivo de valorizar a cultura negra, lutar contra o racismo e divulgar a história e a música negra.
Lá a coreógrafa e bailarina Iara Deodoro dança, ensina e desperta o interesse sobre cultura e danças populares em quem frequenta o espaço. Ela é fundadora do Grupo Afro-Sul de dança, junto ao, também mestre de música, Paulo Romeu. A professora tem formação artística na Escola de Danças Folclóricas da Professora Nilva Pinto, além da formação em Assistente Social, focada em famílias negras monoparentais, e pós-graduação em Educação Popular e Gestão em Movimentos Sociais.
Através do olhar dela, mulher negra que resiste e passa o conhecimento a frente, conheci movimentos, que no início, eram estanhos e pareciam até errados para o meu corpo acostumado ao ballet clássico. Nas danças afro e populares, os passos trazem a organicidade e as formas arredondadas, diferente das linhas retas do clássico. As danças afro brincam com a energia do pé inteiro tocando o chão, com as forças que vem e vão, movimentando o corpo todo. Lá, aprendi danças como Lundu, Jongo, Frevo, Danças de Orixás, cortejo de Maracatu, além de conhecimento sobre espiritualidade, gastronomia, música, estética, história e ancestralidade.
Nesses 42 anos, o grupo desenvolve atividades com o propósito de viabilizar um espaço de criação, de valorização e de fortalecimento de potencialidades e de desenvolvimento da autoestima e cidadania. Procura provocar através das atividades, indagações e questionamentos, pois entende que é dessa forma que se constituem os espaços de igualdade social.
Essa é a minha segunda casa, onde nasceu meu interesse por danças afro-brasileiras, populares e africanas. E foi a partir desses conhecimentos iniciais que essa viagem dançante começou.
Camila Camargo é negra e bailarina, aspirante a produtora cultural e a percussionista. É formada em Publicidade e Propaganda pela ESPM-Sul e especializada em Design Estratégico pela UNISINOS em Porto Alegre. Está sempre buscando as melhores experiências que o mundo pode proporcionar e os aprendizados que elas trazem. Muito ligada à espiritualidade, tem como intenção de vida criar movimentos de conexão.