O negro malandro, o bom funcionário, a mulata cheia de curvas e malemolência. Será que os pretos e pretas vão ser livres de tais estereótipos nas telenovelas?
É indiscutível a influência que as telenovelas exercem sobre a população e não é para menos, afinal a teledramaturgia é arte mais acessível para a massa, onde a história é envolvente, os roteiros são cheios de mistérios, reviravoltas e romance. Essa mistura do lúdico com o real faz o público querer se reconhecer pelas telinhas, coisa que nem sempre é possível, principalmente para os negros. Em grande maioria, os elencos das novelas são compostos por brancos e os atores pretos são contratados para papéis de pouco destaque e geralmente amarrados em estereótipos racistas.
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Porém algumas mudanças pequenas estão acontecendo. A novela Amor de Mãe é um exemplo, tornando-se um grande acerto para o horário nobre e provavelmente estaria estourando de audiência se não estivesse com as gravações interrompidas por conta da pandemia da COVID-19. A premissa da trama já mostrava um novo ângulo, diferente da fórmula de par romântico que estamos acostumados, Amor de Mãe trouxe três mulheres complexas como protagonistas e uma delas negra. Interpretada pela Taís Araújo, a advogada bem-sucedida Vitória ganhou espaço de cena como uma mulher negra, de classe social elevada, com formação e desenvolvimento de personagem. Além da Vitória, outra mulher preta chamou a atenção do público, a personagem secundária Camila, vivida pela atriz Jéssica Ellen. A professora de escola pública também possui um bom tempo de cenas e sempre ressaltando temas pertinentes para os alunos. Ambos exemplos mostram mulheres negras, fortes e estudadas.
É claro que em alguns momentos o enredo deslizou e caiu em estereótipos já conhecidos, mas de qualquer forma há uma grande diferença se compararmos com Fina Estampa, novela escolhida como reprise para substituir Amor de Mãe. Produzida em 2011, a telenovela conta com poucos personagens negros e sem grande relevância para a história com a maioria em cargos pequenos e as mulheres hipersexualizadas. O papel da atriz Cris Vianna, como a vendedora Dagmar dos Anjos, é um claro exemplo disso, sempre apresentada com roupas curtas, decotadas e com um ar de sensualidade. A mulher negra pode ser sexy, porém criar um personagem onde sua única caraterística é ser sensual e estar à disposição dos homens para o prazer só deles é uma forma de perpetuar o preconceito e continuar com o conceito de “mulata” que só serve para o sexo.
É importante perceber que 2011 não é um passado tão distante e mesmo assim o enredo está repleto de personagens negros problemáticos. A mudança de comportamento em Amor de Mãe se dá por diversos fatores, o reconhecimento e a legitimação do movimento negro, o crescimento da discussão racial na internet e a consciência individual, são elementos que mudam a percepção das produções televisionadas e da aceitação do público. Em 2009, Taís Araújo foi a protagonista da novela Viver da Vida de Manoel Carlos, sendo a primeira Helena negra, mas a trama se perdeu e Taís recebeu inúmeras criticas sobre a sua atuação, principalmente por conta da abordagem do autor que não fez jus a nomeação, além do fato de que o grande parte dos telespectadores não estava preparado. É esperado que Amor de Mãe volte com as gravações ainda este ano e que continue trazendo temas fortes, quem sabe assim não se cria uma forma de fazer teledramaturgia livre de preconceitos.