Tinham nomes bonitos os navios negreiros: Boa Intenção, Brinquedo dos Meninos, Amável Donzela, Feliz Destino, Caridade. O grito de dor, antes de ecoar na senzala, ecoava nos mares. Alguns, eram calados pelas águas quando, por doença ou castigo maior, mergulhavam acompanhados por pedras e não voltavam mais. Quem sobrevivia à diáspora – ao calor, à superlotação, às doenças, aos piolhos, à fome -, pisava na terra do pau-brasil colonizada pelo homem branco.
Em 1500, um português avistou terra e conquistou o Brasil. É assim que se aprende na escola. Pouco se lembra que índios foram dizimados e os que não conseguiram fugir morreram depois de contrair as doenças dos europeus. Mais tarde, quando essa mão de obra já era escassa, quase nada recordam que negros foram escravizados e que negros não é sinônimo de escravos.
Se esquecem que reis e rainhas foram tirados de suas terras, sofreram as violências de navios negreiros e, mais tarde, foram vendidos no Brasil. Aqui, choraram, sofreram, sentiram fome e saudades da Mãe África. Tiveram pés e mãos amarrados, foram chicoteados, mulheres foram estupradas como mercadoria de seu senhor. O resultado disso, filhos chamados mulatos – resultado de híbridos, rejeitados pelos pais brancos e não tão negros como sua mãe. Dessa mistura inicial, a cara de um Brasil diverso. Hoje bonito, mas que nasceu da violência.
Não se recordam, no verão, que atrás da praia, bem lá no íntimo do oceano, estão almas que foram depositadas nas águas. Mulheres, homens, crianças e velhos. Gritavam sua dor enquanto amarravam sob suas pernas as grandes pedras que lhes garantiriam a morte por afogamento. Quantos negros e negras esconde a tempestade marítima?
Disso, não se lembram. Mas dizem com orgulho – quanto orgulho – que a Princesa Isabel, após quase quatrocentos anos de escravidão, assinou a Lei Áurea. A Amável Donzela cheia de Caridade e Boa Intenção teria tirado o Brinquedo dos Meninos brancos e dado ao povo negro um Feliz Destino. Parece mesmo tão irônico quanto o nome dos navios negreiros.
Os negros – agora não mais escravos -, a partir de 13 de maio de 1888, 130 anos atrás, foram viver nas ruas. Bem como Eleguá, após o castigo de sua mãe para que aprendesse sobre a vida. Princesa Isabel deu a alforria mas não deu a condição. E depois de tudo isso esquecerem, querem que lembremos dessa data como celebração. Não.
Com punhos cerrados e lágrimas nos olhos pela maioria preta nos presídios, nas periferias e nos grandes cortiços, maioria desempregada, maioria das mulheres vítimas de violência doméstica, minoria em grandes cargos e minoria nas escolas, dizemos não. Os reflexos de um sistema de liberdade que não gera condição de retomar a vida com dignidade é quase como o nosso sistema carcerário – onde há tantos negros e negras -, inclusive.
Por isso, não agradecemos a Princesa Isabel e não lembramos com honra 13 de maio. Nenhum grito devia ecoar do navio negreiro, da senzala, ou da casa sem reboco na favela onde a mulher negra apanha do marido diariamente. Ou nenhum silêncio devia ser ouvido da mulher que anda na rua e é chamada de mulata como fruto de sua sexualização.
Não esquecemos as violências que nossos antepassados sofreram, nem a que nós sofremos. Porque como diz Eleguá, “se um rio esquece onde nasce, ele seca e morre”. Por isso, não celebramos 13 de maio, nem os 130 anos da Lei Áurea.