Do dia 1 a 24 de abril de 1966, em Dakar – Senegal, ocorreu o Primeiro Festival Mundial de Arte Negra. Iniciada pelo poeta Léopold Sédar Senghor, que foi presidente de Senegal, a celebração abriu a marcha de um século que celebrou as culturas negras. Foi Senghor, junto a Césaire, o responsável pelo conceito de negritude e, para reafirmar a nobreza das culturas africanas, quando a África acabava de libertar-se da colonização dos Estados Unidos, o evento de arte negra foi idealizado.
O festival tinha como objetivo permitir aos artistas negros o reconhecimento que antes não lhes era dado, evidenciando a essência de sua ancestralidade e de suas obras. A proposta do evento foi também uma forma de opor-se à segregação racial estabelecida em muito pela presença do colonizador naquele espaço, coibindo o protagonismo dos filhos daquela terra. Por isso, o Festival Mundial de Arte Negra colaborava ao desenvolvimento intelectual de quem tinha África como origem.
Ao evento compareceram grandes nomes, as estrelas da diáspora, como Duke Ellington – o eternizado ‘The Duke’, um dos maiores nomes do jazz, compositor, pianista e maestro – Arthur Mitchell e Alvin Ailey – representando o grupo American Negro Dance Company -, Mestre Pastinha – talvez o maior e mais admirado capoeirista da Bahia – e Clementina de Jesus, a dona da voz que emocionava enquanto entoava canções de muito axé.
O Primeiro Festival Mundial de Arte Negra legitimou, no seio da mãe África, o povo negro e suas obras. Trouxe reconhecimento e espaço, ao mesmo tempo que fortaleceu as relações entre o povo que assumia, naquele momento, a posse de sua arte. A proposta do presidente do Senegal fortaleceu e unificou os negros em diáspora, a partir da valorização de seus dons. De tanto reconhecimento, após Dakar, Lagos acolheu o segundo Festival Mundial das Artes Negras em 1997, com a mesma essência de, num só brado, reunir diferentes vozes.
Por fim, um poema de Segnhor:
Oração às máscaras
Máscaras! Ó máscaras!
Máscara negra máscara vermelha, ó máscaras preto-e-branco
Máscaras nos quatro pontos de onde sopra o Espírito
Eu vos saúdo no silêncio,
E não a ti por último, Ancestral de cabeça de leão.
Vós guardais este lugar excluído a todo riso de mulher, a todo sorriso que se fana.
Destilais este ar de eternidade em que respiro o ar de meus Pais.
Máscaras de faces sem máscaras, despidas de quaisquer sinais bem como de quaisquer rugas.
Que compusestes este retrato, esta minha face pendida sobre o altar de papel branco
À vossa imagem! Ouvi-me!
Eis que morre a África dos impérios – agonia de uma princesa lamentável
E bem assim a Europa a que estamos ligados pelo umbigo.
Fixai os olhos imóveis sobre os vossos filhos a quem mandam
Que dêem suas vidas como os pobres suas últimas vestes.
Que respondamos presentes ao renascimento do Mundo,
Tal como o levedo que é necessário à farinha branca.
Pois quem aprenderia o ritmo do mundo defunto das máquinas e canhões?
Quem soltaria o brado de alegria para despertar os mortos e os órfãos à aurora?
Dizei, quem restituiria a memória de vida ao homem de esperanças destroçadas?
Dizem-nos os homens do algodão do café do azeite
Dizem-nos os homens da morte.
Nós somos os homens da dança, cujos pés readquirem vigor ao bater na terra dura.
Tradução Ivo Barroso – poeta, ensaísta e tradutor.