A educação é a base da vida, ainda mais para a periferia. É uma chance de mudar um sistema que é desenhado para não permitir o sucesso de alguns. Dessa forma, as iniciativas sociais como cursos pré-vestibular gratuitos, como é o proposto pela Educafro, seguem impulsionado jovens e adultos a entrarem na universidade. Mas como continuar o trabalho em meio a uma pandemia? E levando em conta a realidade brasileira.
O isolamento social trouxe a modalidade do EAD para o ensino público. No entanto, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, cerca de quatro milhões de estudantes da rede pública não tinham acesso a internet.
O coordenador geral do núcleo Educafro Valongo de Santos, Júlio Evangelista Santos Júnior, tem a resposta para essa pergunta, mas ela não é simples e até mesmo um pouco injusta.
“Na minha opinião, o período mais difícil para nós não existiu. Porque está sendo difícil até hoje, quase um ano e sete meses depois do início da pandemia. Acredito que a única diferença entre nós e os alunos é o grau de estudo. Mesmo organizando virtualmente as aulas, também fomos afetados fisicamente e psicologicamente. Então aquela intensidade que nós tínhamos no dia a dia, da proximidade com os alunos, ficou bastante prejudicada.”
O Impacto e a Ousadia do Educafro Valongo
O Educafro é uma rede apoio a estudantes pretos e de baixa renda, espalhado pelo Brasil inteiro. Sua atuação é extremante necessária para levar educação e sonhos para a população. Mas, em 2021, o Ministério da Educação definiu medidas mais duras para a isenção da taxa de inscrição do Enem. O impacto foi sentido por muitos alunos, inclusive a prova deste ano tem o maior número de candidatos brancos e de classe social mais elevada.
Sendo assim, a decisão também afetou o Educafro Valongo. “Muitos alunos nossos tiveram o pedido de isenção recusado e então eles desistiram do curso, por não conseguir fazer a prova,” afirma a coordenadora pedagógica, Beatriz Francheschi Palvo.
O núcleo do Educafro acredita na educação e por isso não desiste. Mesmo por meio de uma tela, os professores buscam acolher os estudantes. As atitudes são fonte de orgulho para a educação brasileira e mostram a responsabilidade do projeto, afinal, são quase 30 anos de história e comprometimento.
Para continuar, eles contam com uma equipe de apoio. Além das matérias do currículo, é importante mostrar as possibilidades.
“Continuamos firmes na resistência, na quilombagem. Aqui nas trincheiras do saber, estamos tentando motivar, passar a informação para que nossos alunos e alunas prestem o ENEM com a melhor qualidade possível. Um pouco da nossa estratégia é usar a empatia, então nosso projeto pedagógico é bem ousado e conseguimos manter inteiro mesmo na pandemia, ” relata Júlio.
O coordenador afirma que os alunos estão confiantes. Mas isso não apaga a falta de políticas públicas no país. “Os obstáculos estão aí, já vi aluno desistindo no processo de matrícula e a gente tenta ajudar. Não é fácil, por isso penso em ousadia quando estamos trabalhando para colocar negros e pobres nas universidades.”
As vidas que foram mudadas
Renata Cristina Laurentino tem 38 anos e é aluna do Educafro Alzira Rufin, de Praia Grande. Foi no curso que ela descobriu novos sonhos. Quando se inscreveu, pensou em prestar um concurso público, mas agora pensa em cursar Serviço Social.
“De cara me apaixonei pelo projeto, pois ele me proporcionou a sonhar com uma universidade também. O Educafro tem um papel fundamental em nossas vidas, o acolhimento que temos é surreal, sempre nos impulsionando e encorajando a nunca desistir.”
Por conta de questões pessoais, ela preferiu esperar e vai se inscrever no Enem ano que vem. “Com todo incentivo que recebemos, é impossível não sonhar com algo mais. O Educafro faz a gente acreditar que é capaz, mesmo com as dificuldades.”
Renata conheceu o projeto através de sua amiga, Arlinda Gomes de Carvalho, que também conquistou suas metas graças ao Educafro. Em 2016, trabalhava como diarista. Pensando em mudar de vida, sente que recebeu um aviso. A faixa divulgando o curso estava pendurada em uma igreja católica. Hoje, aos 37, ela está se preparando para conseguir a OAB.
“Nasceu no meu coração o desejo de conquistar algo melhor. Em abril de 2016, começamos a frequentar o Educafro, no plural, porque minha filhinha na época tinha 9 anos e todos os sábados estávamos lá. Então, me inscrevi no Enem e entrei na Universidade Católica de Santos, através de um dos programas sociais. Vou trilhar uma carreira como advogada especializada em Direito Eleitoral.”
O acolhimento e a solidariedade são marcas registradas do Educafro, seja qual núcleo for. Para acompanhar esse trabalho, acesse o site oficial, o apoio a educação de qualidade nunca é demais. Na Baixada Santista, o projeto chegou nos anos 2000 e hoje já conta com oito filiais, nas cidades de Praia Grande, São Vicente, Cubatão, Guarujá e Santos.
O Educafro
O projeto surgiu a partir das ideias do Frei David Raimundo dos Santos. Em 1990, ele consegui reunir 100 jovens pretos e de baixa renda, da baixada fluminense. Naquela época a realidade era ainda mais difícil, muitos acreditavam que as universidades faziam parte de um mundo distante.
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O trabalho do Frei se expandiu e hoje conta com um apoio maior. Além disso, o curso se tornou referência no alcance de bolsas de estudos. A ONG luta por um direito básico.