Partindo de uma história familiar verídica, ‘Em busca de Judith’ é o primeiro solo concebido e interpretado pela atriz e investiga as vozes femininas silenciadas pela estrutura manicomial e o conceito de loucura. Até os 32 anos, Jéssica Barbosa acreditava que Judith Alves Macedo, sua avó paterna, havia falecido num acidente de carro. A história que lhe era contada desde a infância ganhou uma reviravolta quando a atriz se deparou com uma fotografia num livro e ouviu um relato familiar, gatilhos que dispararam nela a busca pela história real de Judith.
O Teatro Experimental do Negro
A mulher negra, mãe de cinco filhos, fora internada compulsoriamente num hospital psiquiátrico, onde permaneceu até a sua morte, em 1958. É sobre as buscas e descobertas dessa história, permeada pelo silenciamento das vozes femininas e questões que atravessam o sistema manicomial que trata “Em busca de Judith”, espetáculo idealizado por Jéssica e Pedro Sá Moraes, que também assina a direção, e tem estreia com sessão dupla dia 16 de Março, às 15h e 20h, no Sympla. “A peça nunca vai ser uma reconstituição do que aconteceu ou algo que busca julgar os culpados”.
“Desde que iniciei esta busca mudei a minha perspectiva sobre o que é loucura, e me disponibilizo a tentar entender as estruturas por trás desses muros que se erguem em prol da dita normalidade. É importante debatermos a saúde mental diante de um governo que acabou com as políticas de redução de danos e propôs acabar com os CAPS e outros espaços de atenção psicossocial, defendendo a volta do eletrochoque e do manicômio”, reflete.
Quando, em 2018, conheceram a Colônia Juliano Moreira do Rio de Janeiro, Jéssica e Pedro deram início à residência artística que resultaria no espetáculo. “Ali, estávamos dentro do universo da avó de Jéssica, que havia falecido no hospital psiquiátrico homônimo em Salvador (BA). Então, pudemos trocar com artistas que são usuários da rede de apoio à saúde mental, pesquisadores e estudiosos da obra do Bispo do Rosário”, relata Pedro, que filmou o espetáculo itinerante em espaços desativados da antiga Colônia, como a cela onde Arthur Bispo do Rosário foi internado e o antigo pavilhão feminino. Além de graduado em Psicologia, o diretor da peça é ainda ator, dramaturgo e, como músico, criou as canções originais para a trilha sonora do espetáculo.
O medo que a acompanhou em quase todo processo deu lugar à força para contar a história. “A loucura ainda é um tema tabu, mas de responsabilidade coletiva tanto em sua produção, quanto na forma com que olhamos, pensamos e lidamos com ela”.
“O espetáculo é um eterno criar cascas e perdê-las, formá-las e vê-las sangrarem. E, principalmente, um grande desafio como atriz, porque a gente vai recebendo as informações e repetindo padrões sem imaginar a teia por baixo disso tudo. Na história da loucura tem muito sobre a história do racismo estrutural, da LGBTfobia, da exclusão a corpos com deficiência”, ressalta Jéssica. O fato de estar encenando o delicado tema sob um prisma pessoal não faz da peça algo estritamente particular.
“O quintal é o mundo. Tivemos muitas Judiths – minha avó é só o espelho através do qual eu observo todas elas. Vejo de perto, quase como num microscópio, os efeitos causados numa geração inteira pelo silenciamento de uma mulher. “Esta peça se apresenta como um ebó, uma oferenda, para que as mulheres sejam cada vez menos silenciadas e para que, ao falar, quebrem esses ciclos de opressão e sofrimento”, finaliza.