Filha de lavadeira. O canto torna brando o trabalho duro, por isso sua mãe cantava durante o labor. Foi dela que herdou a voz. Aprendeu entoar sabedoria de preto velho. Bradou como boiadeiro. Balanceou que nem marinheiro em mar agitado. Sorriu igual erê. Cantava o axé.
Clementina de Jesus tinha mesmo pé em outra dimensão. Aos dez anos, se mudou. Foi quando um vizinho a ouviu e fez um convite: a menina negra seria, então, solista nas festas religiosas. Sua voz era sua maior ferramenta. Mas com a morte de seu pai, precisou lavar e passar. Foram vinte anos de labuta. Nada chateava Quelé. Só quando não a deixavam cantar. Era o caso de alguns patrões.
Quem sabe foi por isso que Clementina bateu na porta do céu e explicou a São Pedro que ninguém quer essa vida cruel. Logo foi ouvida. Seu brado rouco conquistou o Brasil. Frequentou os blocos de samba que se tornaram escolas. Ouviram sua voz, enxergaram uma cantora.
De branco e renda, a Rainha Ginga parecia uma entidade sobrenatural. A todos fez cantar o candomblé. Sincretizou sua voz, eternizou seu canto. Só aos 62 anos recebeu boa oportunidade. Foi Hermínio Belo de Carvalho o cambono dessa Quelé. O cantor quis dividir seus show com Clementina. Num deles, dona Tina fez seu sucesso imediato. Seu canto protagonizou mais de 120 canções. Um dia, mar calmo levou marinheira só. Com suas rendas brancas, Rainha Quelé partiu. Deve velar por nós.