Scilla Owusu já tem uma carreira sólida na indústria audiovisual. Produtora e diretora de videoclipes, já foi responsável pelos trabalhos de renomados artistas por todo o continente africano como Sarkodie, Mr Eazi, Davido e Burna Boy, só para citar alguns.
O sucesso de seu trabalho nessa área fez com que ela acabasse dedicando mais tempo a esta atividade, mas a verdade é que a carreira de cineasta também esteve nos seus planos desde sempre. Esse desejo foi intensificado quando, em 2020, conheceu o trabalho “This is Ghana” (Isto é Gana, em tradução livre), um documentário feito pelo diretor e fotógrafo ganense-britânico Danny Wonders.
Scilla Owusu nos provoca a pensar: quem conta a histórias sobre Gana?
Em 2019, Owusu decidiu dedicar mais tempo a sua carreira enquanto cineasta e resolveu começar com uma produção de ação. Mas tudo mudou quando ela conheceu a exposição de Danny Wonders, que fez com que ela enxergasse Gana com outros olhos – por ter crescido em Londres, ela percebeu que, mesmo que conhecesse narrativas sobre as terras ganenses, elas eram majoritariamente contadas por estrangeiros.
Uma foto em especial a serviu de inspiração para seu trabalho de estreia e de motivação para conversar com o responsável por essa imagem usando suas luvas de boxe. “Enquanto eu olhava para a foto, me peguei pensando em quem ele era, onde conseguiu as luvas e porque ele as tinha. Então comecei a fazer perguntas”, conta a cineasta.
Essas perguntas levaram a meses intensos de pesquisa sobre o boxe e, mais especificamente, sobre uma área chamada Jamestown, próximo a Bukom. E essas descobertas levaram a ainda mais aprendizados…
City of Bukom
Em entrevista ao OkayAfrica, Owusu conta um pouco mais sobre o processo de preparação do documentário: “Essa foto foi o catalisador. Eu comecei a pesquisar sobre a indústria de boxe em Gana e fiquei impressionada ao descobrir a história que o país tinha.”
Ela diz ter ficado igualmente impressionada ao se dar conta de que aquele não era um assunto comum de ser discutido ou produzido por ganenses. Foi assim que usou o período de lockdown em Londres para dar vida ao seu documentário, intitulado City of Bukom (Cidade de Bukom, em tradução livre).
Como este era seu trabalho de estreia nesta área, Owusu optou por não contar apoio de grandes corporações. Ela diz que também por conhecer a indústria, sabia que essa era uma possibilidade, mas que teria que concorrer com pessoas que tinham muito mais experiência do que ela e um financiamento coletivo traria a oportunidade de arrecadar fundos de uma comunidade que já conhecia seu trabalho ou sua jornada. E assim foi.
O financiamento coletivo
A cineasta conta que teve outros motivos para aderir ao financiamento coletivo, como exemplos anteriores de colegas de profissão que conseguiram o valor necessário para tirar seus projetos do papel.
No caso de City of Bukom, sua ideia a aproximou do público, composto por pessoas que fizeram faculdade com ela ou que já haviam trabalhado com ela em outros momentos ou ainda familiares e é importante contar com o apoio dessas pessoas em momentos como esse. Mas ela reconhece também que iniciativas como essa podem gerar ansiedade, já que você tem um prazo para conseguir o valor mínimo sugerido, o que acabou não acontecendo com o seu documentário e ela teve que financiá-lo com seus próprios fundos.
As recompensas
Contando assim, parece até que o financiamento coletivo não deu certo. Mas deu. Ao criar a campanha, ela criou um debate que até então não existia na comunidade em que estava inserida e começou a entrevistar boxeadores da região. Ela conta que, sem o financiamento, o reconhecimento que fez com que ela entrevistasse verdadeiras lendas do esporte como Joshua Clottey, Azumah Nelson e Ike Quartey não seria possível.
Muitos foram os aprendizados decorrentes desta primeira produção, como a importância de uma equipe de qualidade ao seu lado – e ela dá os nomes, como Kwame Black, Riad Sabeh, Anthony Osafo, Aglow Visuals, Stephen Kwaku Odiko Jr e Ida Boatemaa Bamfo – que trabalhou lado a lado para criar uma história ganense para ganenses ou ainda o apoio da comunidade, pois muitos dos entrevistados falam Ga e preferiam se comunicar nela, ainda que não fosse a única falada por eles. Como Owusu não estava familiarizada com a língua, contou com a ajuda de intérpretes para concretizar seu trabalho.
Ao final de sua entrevista, a cineasta fala sobre suas expectativas com o trabalho e dá um recado:
“Eu realmente espero que as pessoas se dediquem a assistir o documentário e que aproveitem. Cerca de 7 meses foram investidos nele com a gravação. Não só da minha parte, mas também do meu time incrível de som e câmera da Akotoku Boxing Academy, os boxeadores e até a pós produção. Eu mesma editei todo o documentário, com o ombro fraturado e ainda tendo perdido minhas gravações, recuperando e reeditando tudo do começo.
Eu estava tão apaixonada e sabia que independente dos percalços eu não podia criar desculpas. No fim das contas, prevalecemos. Aprendi tanto durante esse processo. E o mais importante foi tomar uma atitude agora e não ficar sentada esperando que alguém tomasse uma atitude por mim. Aposte em você mesme. Um investimento em si é o que paga os maiores juros.”
Um pouco mais sobre Scilla Owusu
Uma coisa que ainda não foi dita e que talvez não seja tão evidente pela quantidade de coisas que Owusu já fez até agora é que ela tem apenas 24 anos.
Além dos diferentes trabalhos em diferentes áreas, a cineasta, produtora e diretora também é a fundadora do Yountrepreneurs, organização de impacto social jovem que impulsiona workshops com o objetivo de ajudar criadores do continente africano a encontrar oportunidades de trabalho e melhorar seus conhecimentos e experiências.