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terça-feira, 03 outubro 2023
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Um gênio chamado Spike Lee

“Eu e minha esposa não compareceremos à cerimônia do Oscar em fevereiro. Não podemos apoiá-la. Como é possível, pelo segundo ano seguido, todos os 20 concorrentes na categoria de ator serem brancos? E nem vamos falar das outras categorias. Quarenta atores brancos em dois anos e nenhum de cor. Não somos capazes de atuar?”

O texto acima (traduzido e adaptado livremente), postado no Instagram no dia 18 de janeiro, tinha como objetivo trazer à tona a ausência de atores negros na disputa do Oscar pelo segundo ano seguido. O texto causou polêmica, gerou desconforto, ganhou apoiadores do naipe de Will Smith e resultou numa cerimônia nada usual no dia 28 passado.

“Mas quem escreveu esse bendito texto?”, você deve estar se perguntando. Apenas um gênio chamado Spike Lee – o mesmo que foi homenageado em novembro do ano passado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas com um Oscar Honorário pelo conjunto de sua obra.

Mas quem é Spike Lee?

Origens e Sucesso 

Shelton Jackson Lee, ou simplesmente Spike Lee, é um ator, produtor e cineasta americano responsável pelos filmes mais importantes sobre a condição do negro na sociedade americana. Antes dele, outros diretores até que fizeram bonito e até houve a Blacksploitation nos anos 1970, mas foi Lee quem trouxe os problemas do Brooklyn, o bairro mais populoso de Nova York, que abriga a maior comunidade afro-americana dos EUA, para as telas do mundo, pondo fim ao cinema “feito por negros para negros”.

É dele a responsabilidade direta do reconhecimento de gente como Lawrence Fishburne, Samuel L. Jackson, Giancarlo Esposito, Martin Lawrence e Rosie Perez, e também do resgate da carreira de Danny Aiello, que não se destacava em nenhum projeto desde o insosso Feitiço da Lua, de 1987.

Mas de onde surgiu esse gênio?

Nascido em Atlanta, na Geórgia, Lee mudou-se para o Brooklyn ainda na infância. Filho de uma professora de Artes e de um músico de jazz, estudou na Tisch, a famosa Escola de Artes da Universidade de Nova York, que pariu gente do porte de Martin Scorsese, Joel Coen, Jim Jarmusch, Charlie Kaufman, M. Night Shyamalan e Ang Lee, só para citar alguns nomes mais conhecidos.

Em 1983, lança o filme independente Joe’s Bed-Stuy Barbershop: We Cut Heads, como tese de mestrado e acaba ganhando um Student Academy Award e ainda uma exibição especial no New Directors/New Films – o primeiro filme de estudante a conseguir esse êxito, diga-se de passagem.

A partir daí várias portas se abrem e Lee lança em 1986 Ela Quer Tudo, seu primeiro longa por um grande estúdio. Mas é somente três anos depois que a revolução começa. Em 21 de julho de 1989 chega aos cinemas americanos o impactante Faça A Coisa Certa.

Sucesso tanto de público quanto de crítica, Faça A Coisa Certa é indicado aos principais prêmios do cinema nos EUA e também à Palma de Ouro do Festival de Cannes. Apesar de esnobado nas principais premiações americanas, o Golden Globes e o Oscar, o filme tem o apoio de várias celebridades na época – até mesmo a loiríssima Kim Basinger chegou a falar publicamente que era o filme merecedor do Oscar em 1990.

Novo Milênio, Novos Caminhos

Depois de Faça A Coisa Certa, Lee é alçado ao primeiro escalão de diretores de Hollywood e aproveita bem seu momento. Segue-se uma lista de filmes obrigatórios para qualquer candidato a cineasta ou mesmo apreciadores da boa sétima arte – Mais e Melhores Blues, Febre da Selva, Macolm X, Irmãos de Sangue (em parceria com Martin Scorsese) e Garota 6.

Em 1997, lança o documentário Quatro Meninas – Uma História Real e acaba sendo indicado ao Oscar de Melhor Documentário. Produzido em parceria com a HBO, o longa narra os acontecimentos do fatídico dia 15 de setembro de 1963, quando quatro garotas negras acabam mortas após uma igreja ser bombardeada no Alabama – o atentado aconteceu no auge dos movimentos pela igualdade racial e acabou chocando toda a sociedade americana.

Nos anos seguintes, Lee continua dirigindo longas ao mesmo tempo em que produz documentários, especiais para TV e até videoclipes. Em 1999, lança outra obra-prima, O Verão de Sam, seu primeiro filme sem foco principal em personagens negros.

A chegada do novo milênio traz uma mudança de foco, mas a genialidade de Lee aliada à sua experiência resulta em uma sequência de documentários para a TV sensacionais e alguns filmes extraordinários, como A Última Noite, de 2002, e O Plano Perfeito, de 2006.

Lee só retomaria a questão negra e suas raízes do Brooklyn em 2012, com o imperdível O Verão de Red Hook. Em 2014, ele lança o suspense Da Sweet Blood of Jesus, que deveria ter estreado no Brasil em janeiro de 2015 – a curiosidade aqui é que o filme foi produzido através de plataformas de financiamento coletivo.

E em dezembro do ano passado estreou nos cinemas americanos a comédia dramática Chi-Raq, uma adaptação da peça grega Lisístrata. Com elenco estelar encabeçado por Samuel L. Jackson, Wesley Snipes, Jennifer Hudson e John Cusack, o filme trata de uma greve de sexo imposta pelas mulheres dos gângsteres de Chicago para que eles ponham fim a uma longa guerra.

O filme, sem data de estreia aqui no Brasil, é o primeiro projeto do novíssimo Amazon Studios, serviço de aluguel de filmes via streaming semelhante ao bem-sucedido Netflix.

Para concluir, Lee completará 59 anos no próximo dia 20. Se você tiver Instagram, visite a página do cineasta clicando aqui e dê seus parabéns.

Filmes essenciais

Quer compreender o universo de Spike Lee, mas não sabe por onde começar? Tudo bem, abaixo segue uma pequena lista com os filmes que mais gosto deste cineasta genial e muito acima da média.

Faça A Coisa Certa, 1989 No dia mais quente do ano, o clima simplesmente pega fogo no bairro do Brooklyn, em Nova York. O entregador Mookie só quer tocar mais um dia de trabalho na pizzaria do ítalo-americano Sal Fragione, mas as diferenças culturais e sociais falarão bem mais alto – o estabelecimento fica no coração de uma comunidade negra, que sofre com a invasão de comerciantes italianos e coreanos, preconceito racial e falta de oportunidades. O filme expõe brilhantemente os dramas diários dos negros americanos na década de 1980, se valendo de uma linguagem visual rica e singular. Filme obrigatório.

 

Febre da Selva, 1991 Aqui, Lee flerta com a comédia romântica, mas com alguns toques dramáticos bem pesados. Na trama, um jovem e bem-sucedido arquiteto se envolve em um caso extraconjugal com uma colega de trabalho. Só que ele é negro e ela é branca, de origem italiana. O que seria uma simples história de traição acaba se revelando um grande filme sobre barreiras culturais e preconceitos raciais. Há sequencias hilárias e outras de carga dramática muito forte.

 

Malcom X, 1992 Baseado na autobiografia do notório ativista e líder separatista negro, Malcom X é uma superprodução de mais de três horas de duração estrelada por um inspiradíssimo Danzel Washington e que narra a trajetória do ativista desde sua infância até sua morte. O filme foi produzido em parceria com a Warner Bros. Pictures e foi indicado ao Urso de Ouro, no Festival de Berlin, onde Washington levou o prêmio de Melhor Ator.

 

Clockers – Irmãos de Sangue, 1995 Produzido em parceria com o cineasta Martin Scorsese, é uma adaptação do romance homônimo de Richard Price, que escreveu o roteiro junto com Lee. Na trama, um assassinato leva a polícia a investigar o tráfico drogas no Brooklyn dos anos 1990. O que parecia ser o filme de gângsteres de Spike Lee acaba se revelando um retrato contemporâneo das tentações do bairro nova-iorquino e de suas consequências – vale citar que foi a época em que alguns rappers de grande talento se envolviam com o tráfico e, geralmente, acabavam mortos.

 

O Verão de Sam, 1999 Talvez o grande momento de mudança em sua obra cinematográfica, O Verão de Sam narra os acontecimentos do verão de 1977 em Nova York, em plena era disco, e a sequência de assassinatos cometidos pelo psicopata conhecido como o “Filho de Sam” no bairro italiano do Bronx. Primeiro filme de Lee a não ter negros em destaque – mesmo assim, personagens do Brooklyn aparecem no noticiário com frequência. Imperdível.

 

A Hora do Show, 2000 Se um ano antes, Lee havia deixado a questão racial de lado, em A Hora do Show (Bamboozled no original, algo como Enganados) ele a retoma com toque de mestre, contando a história do roterista que cria um programa de TV estrelado por atores negros com os rostos pintados de preto – a polêmica dos minstrel shows e da blackface virada pelo avesso.

 

TNM_coluna

Antonio C. Oliveira é jornalista, roteirista e crítico de cinema. Sergipano radicado em São Paulo desde 2002, trabalha como desenvolvedor de conteúdo para cinema, televisão, internet e celular há mais de dez anos e escreve a coluna Plug-In às sextas-feiras no site Clube Sexy.

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