“Risadas Pretas Importam” foi o espetáculo dirigido por Marton Olympio, com curadoria de Hélio de la Peña e a presença de diversos comediantes, ocorrido em 20 de novembro do Theatro Municipal, em São Paulo.
Numa noite simbólica, 7 comediantes pretos compartilharam seu trabalho com uma audiência também majoritariamente preta numa data simbólica, que celebra o dia da Consciência Negra (ao menos em partes do território brasileiro) e relembraram os passos de nossos mais velhos na comédia brasileira.
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Risadas Pretas Importam
Apesar de aqui no estado de São Paulo estarmos habituades a celebrar o Dia da Consciência Negra, vale lembrar que, de acordo com o Senado, apesar de haver a possibilidade de a data se tornar feriado nacional, atualmente ela só é celebrada em 5 dos 27 estados brasileiros.
Num país onde a morte ou o nascimento de uma figura religiosa que não é reconhecida por todas as religiões é celebrado e o reconhecimento da importância da discussão de raça, não, precisamos reconhecer a importância de eventos como um espetáculo de comédia com uma equipe negra que vá além das discussões habituais sobre racismo.
Foi o que todes os que prestigiaram “Risadas Pretas Importam” puderam presenciar.
O espetáculo
Com intervenções de Hélio de la Peña, que selecionou os comediantes envolvidos no evento e que representava a figura que abriu caminhos para que outras pessoas estivessem ali naquele palco hoje, ele compartilhou, entre outras coisas e sempre em tom bem humorado, suas vivências enquanto um homem preto que mora numa região nobre do Rio de Janeiro.
Entre uma intervenção e outra, tivemos a presença de comediantes diferentes e que, portanto, tinham vivências diferentes para compartilhar, além do DJ Jé Versátil, que proporcionou uma trilha sonora antes e durante o espetáculo condizente com a grandeza do evento e com a cultura afro-brasileira.
A grandeza deste evento está em nos lembrar que ter a pele escura nos proporciona diferentes experiências, que vão muito além do racismo. Há, sim, uma união decorrente de vivências que infelizmente compartilhamos, mas que acabam resultando, por exemplo, num aceno quando encontramos com outra pessoa preta na rua ou em outro espaço em que sabemos que somos poucos, mas que não se limitam a isso. A gente sofre, ama, dá risada e compartilha de experiências diversas do cotidiano que envolvem, inclusive, experiências sexuais. Não é porque o branco nos hipersexualiza que essa seja uma experiência que não possamos discutir. O evento é sobre nós, foi feito pra nós e esse foi só um dos temas que pudemos acompanhar (dando risada) ali.
Gui Preto
Pra mim, o mais engraçado da noite, Gui Preto começou falando sobre um tema de muita importância: a violência policial destinada a corpos pretos no Brasil. Parece um tema pesado, certo? E é. Mas Gui encontra uma forma de carregar o humor e a reflexão em seu texto e ainda fala: “pesado, né? Mas não fui eu, não, foram eles.”
Como nem só de racismo vive um homem preto, Gui também nos fez chorar de rir ao compartilhar a experiência de morar sozinho e de dividir o apartamento com seu gato.
Kedny Silva
Nada do que eu disser aqui será suficiente para retratar o talento de Kedny Silva. Aliás, isso vale para todos os comediantes que estiveram no Theatro Municipal no sábado. Mas eu juro que Kedny Silva nos manteve rindo por 10 minutos relatando sua experiência de confundir tomate com caqui e depois de não saber que absorvente comprar para sua companheira.
Ao meu redor, as mulheres choravam de rir ao reconhecer que já tiveram que dar aquelas instruções e os homens choravam de rir pensando que estariam na mesma se estivessem no lugar de Kedny.
Yuri Marçal
Yuri Marçal era o rosto mais conhecido da nova geração de comediantes da noite. Com um show que alguns de seus fãs possivelmente já acompanharam em outros momentos, Yuri chegou com muita presença de palco e provou que a comédia vai além das palavras, muitas vezes trazendo o riso apenas com seus gestos e linguagem corporal.
Niny Magalhães já chegou dando o nome e falando sobre a importância de lugares que abram espaço para mulheres pretas na comédia. Desta vez, foram 3 mulheres, mas ela reforça que isso é bem raro.
Em seu texto, continuamos vendo a força de seus posicionamentos: Niny fala sobre seu reconhecimento enquanto uma mulher negra, sobre a dificuldade de se relacionar com as quais pude ver de perto que muitas de nós se identificaram e sobre sua relação com seu cabelo. Se ela não fosse tão engraçada, a gente ia chorar. Mas, como ela é, a gente chorou de rir.
Paloma Santos
Paloma foi a primeira a subir no palco. Apresentou a lenda que é Hélio de la Peña, interagiu com o DJ e, em seu texto, trouxe material para diferentes públicos: mulheres inconformadas com homens incapazes de reconhecer um absorvente, mães, pessoas transantes, às vezes tudo isso numa pessoa só, não é mesmo? E foi hilário.
Dava pra notar a emoção de Zete no tom de sua voz ao longo do espetáculo. Durante sua apresentação, Zete falou sobre vários temas e o sexo era um deles. É importante que mulheres como Zete Brito e Jacy Lima, por exemplo, existam para nos lembrar que os estereótipos não podem nos impedir de falar sobre aquilo que desejamos falar.
Sim, mulheres negras são hipersexualizadas pela sociedade. E, ainda assim, continuam tendo desejos e deveriam ter o direito de falar abertamente sobre eles, certo? Zete Brito nos trouxe para este lugar, de reflexão e risadas, simultaneamente.
DJ Jé Versátil
Quem chegou relativamente cedo para o espetáculo, pôde desfrutar de uma trilha sonora condizente com o que nos aguardava: cultura, muita cultura preta e diversão!
Como se isso não fosse suficiente, ele também compartilhou sua alegria e emoção ao ter sido escolhido por Hélio de la Peña para ser o responsável pelo som da noite. Isso porque há poucas semanas ele mal tinha equipamento para trabalhar.
DJ Jé Versátil é um exemplo e reforça a mensagem daquilo que Viola Davis disse há alguns anos: longe de um discurso meritocrático, mas às vezes tudo o que precisamos é de uma oportunidade.