“Eu não sei do que você está dizendo. O senhor está me confundindo.” É isso que jovens negros prestes a morrer em casos de racismo bradam, segundo pesquisa apontada por Clayton Nascimento, que agora está bem. Em suas redes sociais, o ator negro tranquiliza amigos ao lembrar do episódio de agressão que sofreu na Avenida Paulista, sem qualquer resguardo, durante um episódio de preconceito racial.
O ator retornava da última sessão de cinema no Itaú Cultural. Deixou a professora que o acompanhava num táxi e caminhou pela mais importante avenida do país por volta de meia noite e meia para pegar o ônibus em direção à sua casa. Percebeu que seu ônibus vinha lá atrás e apertou o passo para não perdê-lo. De repente foi surpreendido por um casal aos gritos.
“Esse aqui é um ladrãozinho que roubou o meu mercado, que bate em mulher, e agora ele vai ter o que merece” – disse o homem, enquanto começavam uma luta. Clayton só conseguia dizer: “Você está me confundindo”. No relato, o ator lembra ter sido golpeado com seguidas chaves de braço. A mulher que acompanhava o homem se aproximou do rapaz negro e disse: “Vai me roubar de novo? Vai? Vai bater em mulher? Vai me roubar de novo? ” Ele: –“ Não é você o preto zica malandro? Aquele que bate em mulher? Toma aqui o que você merece, ladrão”.
O homem negro golpeado não é ‘apenas’ ator. É também criador de uma peça que denuncia o racismo institucionalizado. Ensinado desde cedo pelos pais piauienses a estudar, sempre se dedicou à escola e aproveitava a última semana antes do início das aulas da Universidade de São Paulo (USP). Agora, era agredido sem qualquer culpa e – mais – sem qualquer ajuda.
Segundo o relato, no entorno havia pelo menos nove pessoas: 2 jovens garotas, 5 garis e 2 seguranças. Mesmo quando as forças de Clayton em se defender acabaram, não lhe ajudaram.
“Caí.
Num giro no meio da luta e antes da queda, olhei no fundo dos olhos de cada um ali presente pedindo uma mísera gota de compaixão. Meus incríveis 1,68m e 58kgs de corpo negro ali, retirados dos palcos, sedento pela criação do teatro, para ganhar aquele personagem na vida real. O ônibus que se aproximava, chegou. Motorista e 40 novos espectadores.Consegui ainda pensar: “Que irônico, Clay. Você vai morrer aqui nesse lugar horroroso, com 50 espectadores completamente apáticos ao show de horror. Você não esperava por isso, meu amigo,ainda bem que você viu a mãe ontem e deu um beijo nela. Seja forte aqui, resiste até quando der”. Veio então, uma última chave de braço suficientemente forte para enrolar minha língua.A última imagem que tenho é a deles vindo para cima do meu corpo, e apalpando meus bolsos.
Apaguei.”
Quando acordou, não se sabe ao certo quanto tempo depois de toda agressão, teve ainda dificuldade em pegar um ônibus. Foi quando pediu ajuda às pessoas explicando que não era ladrão, pelo contrário, tinha sido roubado. As pessoas não acreditaram: pensavam ser uma ação de vingança contra quem – covardemente – roubou uma mulher. Pois é.
Clayton Nascimento inicia seu relato no facebook contando sua experiência enquanto homem negro: “Amigo, a sociedade é tão preconceituosa, que eu, um homem negro de 30 anos, sinto que sou raramente assaltado. Na maioria das vezes, nunca acham que eu tenho poder de consumo, logo, sempre acham que eu que vou assaltar.” Agora, o ator negro tem certeza de que, sim, sua cor é condição para estereótipo de ladrão.
Agora, em casa, o ator tranquiliza amigos: está bem. Mas denuncia o racismo que insistem em dizer ser coisa da nossa cabela. Clayton é mais uma vítima de um sistema que execra negros e negras e a eles atribui a criminalidade como padrão. Mais ainda, o homem negro de 30 anos é mais alguém que, todo dia, precisa encontrar forças dentro de si para prosseguir e ocupar os espaços aos quais antes éramos proibidos de adentrar. Por fim, suas palavras são de resistência:
“Mas, aqui vai o resumo da ópera: Isso não é uma ópera. É uma tragédia. Daquelas bem xinfrim que você já vê há 518 anos. SE fosse ópera, nem no Teatro vocês me deixariam entrar, por exemplo.
Nesse Mundo de Discurso de ódio que a gente inventou e alimenta muito bem todos os dias, toda aquela sociedade presente, entre ricos e pobres, quiseram me punir quando, racistamente, acreditaram que eu era o ladrão. Resolvendo com as próprias mãos. Nem os seguranças me propuseram segurança.
Com medo de perder seus próprios Iphones, foi eu quem quase perdeu a minha vida, hoje, gente. O nosso plano de sociedade deu errado, turma.Está acontecendo um genocídio negro na nossa terra, e vocês são omissos a isso. Nós falhamos miseravelmente.
“De que importam aos operários os sentimentos dos patrões?
De que importam aos negros os sentimentos dos brancos?
Quantos de nós seremos?”
PEÇA: COMBATE DE NEGRO E DE CÃES
Bernard Marie Koltés, 1979.Eu continuarei ocupando os espaços públicos. Cabeça Erguida.
Eu sou firme como uma Bandeira Preta enfiada em Pau Forte, e minha arma é a Arte.”
Amanda Sthephanie
Preta. Pobre. Poeta. Periférica. Prounista. Filha de Oxum, tem paixão pela palavra e estuda o último ano de Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie.