Joice Berth, curadora, arquiteta e escritora, usou suas redes sociais para refletir sobre as ferramentas do racismo, saúde mental e comportamental da negritude, trazendo seu olhar sobre o caso Kanye West, um fatídico exemplo de morte simbólica. Leia o texto na integra:
Não é apenas fisicamente que o genocídio da população negra acontece. Há outros modos, outras instâncias de morte. Também faz parte das artimanhas do sistema racista ignorar completamente o quão fatal e irreversivelmente adoecedor é o auto-ódio que a negritude, sobretudo homens negros, desenvolvem contra si. Na verdade é conveniente ignorar isso já que é um braço oculto do genocídio subjetivo da população negra.
O caso do Kanye West é um fatídico exemplo da (tão pouco falada) morte simbólica. Há tempos esse homem dá sinais óbvios de desequilíbrios sérios. Pois bem, quanto mais sinais ele apresenta, mais espaço na mídia ele ganha. É o famoso “vamos dar corda para ele mesmo se enforcar”. E obviamente ele se “embriaga no sucesso”, se sente confiante o bastante para acreditar que é invencível, e diz mais e mais absurdos livremente. Até que chega no fundo do fundo do poço. Pronto. Xeque-mate do sistema. Morre o gênio da música e grande empresário e nasce o autêntico “criolo doido”, para regozijo do racismo e justificativa perfeita para escoamento livre do ranço racial anti-negro. Não estou dizendo com isso que ele não tem nenhuma responsabilidade sobre esse processo.
Certamente muitos amigos antes de se afastarem tentaram ajudar. Mas o comportamento narcisista (tô falando de comportamento e não de transtorno) é por demais de arrogante e se pensa tão acima do bem e do mal que simplesmente não ouve os que ele considera inferior, ou seja, todos. E nesse caso, o dinheiro e a fama são sem sombra de dúvidas o maior dos inimigos, pois aprofunda os delírios de invencibilidade. O sistema não quer dar espaço e voz para negros e negras que realmente são potenciais desarticuladores das práticas racistas. Isso seria suicídio sociopolítico. Mas trabalha de formas inimagináveis para matar simbolicamente os que de alguma forma podem lhe enfraquecer ao adentrar pelas fissuras e brechas para usufruir dos privilégios do qual desfrutam.
O topo (imaginário!) dos pretos é sempre um perigo porque como disse Audre Lorde “as ferramentas do mestre não vão desmantelar a casa do mestre”. Pensar profundamente sobre saúde mental e comportamental da negritude é urgente.