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terça-feira, 03 outubro 2023
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O negro brasileiro e o medo de ser “paga pau” de americano – Por Anderson Jesus

Negros do Brasil e EUA. Se inspirar não é pagar pau, é admitir a fraqueza para crescer.

Muitos me acusam de pagar pau para negros americanos. Se ter o desejo de crescer e usá-los como inspiração, for pagar pau, então eu sou. Não me importo de ser acusado de pagar pau, se eu estiver com dinheiro no bolso, inteligência, e saúde para seguir lutando, no problem, man! Por que não copiar, ou se inspirar, no que está dando certo? Muitos dizem: “aqui não vai funcionar, a cultura é outra”.

Concordo. Mas não estou falando de comer ovos com bacon, fritos na gordura de porco, no café da manhã. Estou falando de luta. Estou falando de se unir, se ajudar, agir com a cabeça. Isso não tem fronteiras culturais ou geográficas.

O textão abaixo foi publicado há pouco tempo por aqui. Muita gente gostou, elogiou, me chamou inbox no Faceboook do TNM, xingou minha mãe, me ameaçou de morte e o diabo. Resolvi reler, e com exceção dos erros de português (sou humano), achei que ele poderia ser usado em qualquer tempo, não apenas no Oscar, quando foi lançado. Apesar dos poucos xingamentos, percebi que caberia ainda mais informação. Por isso, além do que já estava, acrescentei mais algumas coisinhas, para o desespero dos choramingadores de plantão. Síndrome de vira latas é uma patologia, só pode.

Como muitos perguntaram quem havia feito o texto, agora resolvi me identificar. Não assinava os textos que eu escrevia, porque, apesar de ser também ator e trabalhar no audiovisual, sou tímido para algumas coisas. Também não queria que achassem que quero me promover. Essa é uma página que criei para que seja colaborativa. A intenção é promover e divulgar os outros, não a mim.

Enfim, chega de lenga lenga, segue o texto!!

 

Por Anderson Jesus

Eu não queria escrever um textão sobre a abertura de Chris Rock no Oscar porque senti preguiça. Senti preguiça porque muitos negros brasileiros estavam soltando fogo no Facebook, criticando a apresentação do cara. Mas, não consigo me conter.

Infelizmente, terei que falar sobre alguns negros que conheço, que são do audiovisual, mas que tiveram a coragem de criticar a postura do cara. Além de não terem inteligência suficiente, ou conhecimento histórico, para entender a acidez de suas piadas, negros que se dizem cineastas no Brasil, conseguem criticar os americanos e até sentir vergonha ou nojo, das palavras dele, das piadas, mas não conseguem enxergar um palmo a frente dos olhos.

Estão criticando americanos por que, caras pálidas? Engraçado que alguns dos que criticam são “cineastas” negros, que se consideram os picas das galáxias por terem feito filmes de curta metragem que ninguém viu (família não conta), e que ainda são reféns das leis de incentivo, para conseguirem fazer ainda mais “filmes” sem nenhuma relevância, que ninguém vai ver. Claro, alguns. Temos alguns cineastas negros que se preocupam com a causa. Usam a causa como tema, ajudam e incentivam outros que pretendem seguir o mesmo caminho. Ou melhor, temos um, e se chama Joel Zito Araújo.

Mas, infelizmente, temos alguns negros no showbiz brasileiro que, assim que conseguem fazer os filmes que ninguém vê ou aparecem na TV no papel de escravo ou lavadeira, automaticamente sobem em um pedestal, se endeusam e adoram ser endeusados, como sendo os mais diferenciados da raça. Esquecem que temos problemas enormes nessa área, porque, como eu já disse aqui, nossos problemas são muito maiores porque não temos qualquer espaço importante de fato. Os negros americanos fazem piada com sua situação, pois é uma forma de protesto, eles tem o microfone nas mãos. Podem subir no palco e dar um tapa na cara de cada um, na principal cerimônia da indústria. As câmeras estão apontadas para eles, poderão falar para toda a Hollywood e para mais de 800 milhões de pessoas ao redor do mundo.

Beyoncé fez o seu protesto dançando, rebolando e cantando sua letra de empoderamento no intervalo do Superbowl. Por que ninguém reclamou no Brasil? Por lá, só meia dúzia de brancos reclamou. Todo mundo achou incrível, e realmente foi fantástico. A mulher é uma deusa, maravilhosa em tudo que faz. Mas, uma coisa é fato: a maioria dos negros que chegam ao sucesso nos EUA vestem a camisa. Uns fazem participações nas músicas dos outros, dão dinheiro, ajudam a carreira a engrenar e assim por diante. Cada um usa sua arma, sua forma de protesto para protestar e se ajudar.

Chris Rock é um astro, muito respeitado e rico. É ator, diretor, produtor, comediante e faz o que quer da carreira, inclusive ter a coragem de subir no palco do Oscar, falar o que quer, e ainda receber para isso. Por exemplo, ter a coragem de falar na frente de Silvester Stallone que Star Wars é mais crível que seu filme, Creed.

E nós, o que podemos? O que conseguimos? Um ou dois editais que não fazem nem cócegas na produção de negros no Brasil? Quantos negros estão conseguindo acessar a faculdade de artes cênicas, produção ou cinema? O que nos faz pensar que estamos em condições de criticar os negros americanos, além do fato de sermos idiotas ao ponto de não olharmos para nossos próprios rabos pretos e pobres?

Além de nunca termos, na história do Brasil, um líder de fato, os negros que conseguem algum espaço, ao invés de ajudar, torcem para que você nunca consiga subir, para que ele não seja “ofuscado”. Ofuscado em que? Por fazer filmes horríveis que ninguém vai ver? Não quer perder o “incrível” personagem na novela, como o malandro do morro que trai ou bate na mulher na frente de todos? Não quer perder o papel da dançarina de funk, mulata tipo exportação que transa com a comunidade inteira, porque tem a pele da cor do pecado? O papel de vagabundo, o beberrão da novela. Eles não querem perder os miseráveis papéis estereotipados que recebem.

Cara, eles tinham um negro apresentando o Oscar, a presidente da academia é negra. Havia muitos negros na plateia e outros tantos entregando prêmios. Como se não bastasse, a cerimônia ainda foi boicotada por outros atores e diretores negros.

Além de tudo isso, muitos outros negros estavam, na hora do Oscar, na porta do Dolby Theatre, liderados pelo reverendo Al Sharpton, querendo ainda mais espaço, querendo que pretos ganhem Oscar.

Caralho, o que mais esses pretos querem? Conquistar o Universo?

Sim!!

 

Chris Rock falou em seu discurso de abertura, que talvez eles não tenham cobrado espaço no cinema apenas nos anos 60, pois tinham coisas mais importantes para se preocupar. Como a avó pendurada numa árvore, por exemplo.

E nós por aqui, o que estamos fazendo? Por aqui, um cara negro chega ao sucesso e nunca mais toca no assunto de racismo, porque tem medo de perder o emprego, o quartinho na casa grande. Os caras se calam, não falam sobre o assunto e nem se dão ao trabalho de aproveitar o espaço que conseguiram para abrirem as portas para outros que gostariam ou precisariam de uma oportunidade.

Os negros americanos, com tudo que já conseguiram, ainda estão pedindo oportunidades. Ainda acham que não trabalham o suficiente. Realmente, nunca será suficiente, para compensar o que todos sofremos ao redor do mundo e sofremos até hoje com a escravidão e o racismo, ainda pulsante.

Por lá, eles são donos de estúdios de cinema, produtora de filmes, gravadoras, editoras e até TV. Oprah Winfrey é dona de um canal de televisão. Ela é uma das mulheres mais ricas do planeta, com um patrimônio de 6 Bilhões de dólares. E você sabe o que ela faz com esse dinheiro todo? Entra como produtora em filmes, como Selma. Constrói escolas para meninas da África se tornarem líderes.

Os caras tem e tiveram vários lideres que lutaram pelos direitos civis e outros lutam até hoje por direitos e oportunidades. Nós nunca tivemos absolutamente ninguém. Os caras já conseguiram eleger um presidente negro e por dois mandatos. Isso jamais acontecerá no Brasil. Por aqui, vemos os já poucos cineastas negros que tiveram a oportunidade de fazer grandes filmes de circuito, e que poderiam colocar atores negros em seus filmes, mas não colocaram. Ou seja, os negros brasileiros não são unidos, não se ajudam. O negro brasileiro não trabalha na TV, cinema ou publicidade porque ainda está lutando para que seu cabelo crespo seja aceito. Como assim?!

Quando a TV aborda o tema “racismo”, muitas vezes,  está ligado apenas ao fato de alguém ter sido chamado de macaco ou porque alguém sofreu racismo por ter o cabelo crespo.

Os negros daqui só aparecem no carnaval, durante 5 dias, mostrando seus lindos dentes brancos nas vinhetas da Globo, e o rebolado da mulata padrão Globeleza, tipo exportação. O carnaval funciona como uma cota nacional, para o negro aparecer na televisão. Eu já ouvi isso.  Me disseram que aparecemos por 5 dias seguidos no carnaval, o que mais queremos?

O problema por aqui é muito maior. Levaremos 500 anos para chegar perto do nível dos caras. Eu não verei. Meus filhos não verão esse dia chegar.

Vamos agir com mais inteligência, gente negra do Brasil. Não estamos em condições de criticar. Se você acha que já é muito foda, por conseguir um edital arranjado, e levantou 50 mil reais para fazer um curta metragem de merda que ninguém vai ver, não tem mesmo condições de criticar os milionários negros americanos. É muito pouco, temos que querer mais, cada vez mais. Por aqui, se um negro consegue ganhar dinheiro, ele é mal visto pelos outros. Alguns o chamam de vendido. Vendido? Quem não quer ficar rico? Nossa sina é ser pobre? A minha não, desculpe.

Negro brasileiro já se inspira no americano nas roupas, estilos, caras e bocas nas fotos, na quebradinha de pescoço, em dançar como a Beyoncé, por que não se inspirar também no que realmente importa, se ajudar, ganhar dinheiro?

Os caras estão brigando por Oscar, Grammy, Emmy. O negro brasileiro ainda está tentando não ser chamado de macaco. Quando faz papel na TV ou cinema é para mostrar a bunda, a malemolência e o rebolado. O período em que negros brasileiros mais trabalharam no audiovisual do Brasil foi quando fizeram Carandiru ou Cidade de Deus. Recentemente, isso se repetiu quando falaram que a Record ia fazer uma nova novela de escravidão. O que tinha de preto correndo atrás de testes na Record não estava no gibi Já vi atores negros comemorarem porque a TV iria gravar mais uma novela sobre escravidão, assim todos os atores negros seriam contratados.

Depois, acontece exatamente o que aconteceu quando libertaram os escravos. Vão todos para a rua, sem lenço nem documento, com uma mão na frente e outra atrás, ainda inebriados pelo sucesso. Difícil voltar a pegar busão, depois de aparecer na novela. Vão torcer para que logo façam outra novela de escravidão, para que possam trabalhar novamente. Ou seja, nós ainda estamos pendurados em árvores e tomando chibatadas.

O pior é que alguns se acham privilegiados por estarem pendurados em árvores maiores que a dos outros. Se sentem superiores por estarem pendurados em uma macieira, onde de vez em quando podem esticar o braço e pegar uma maçã. O cara da pequena árvore ao lado não vai alcançar.

Por aqui, a coisa só vai melhorar quando pensarmos mais em ajudar, em favorecer, em fortalecer.

Como diz um antigo ditado, se o boi soubesse a força que tem não deixaria ser dominado, não iria para o abate.

Recomendo que assistam Django Livre. Neste filme, há a melhor definição possível do negro da casa grande. Prestem muita, muita atenção no personagem de Samuel L. Jackson. Você, certamente conhece alguém como ele.

Diante disso, fico com a cena final de Django, quando o personagem que dá nome a obra, explode a Casa Grande. Pois, enquanto a casa continuar sendo apenas branca, nosso povo jamais verá a sua verdadeira liberdade. Eu não quero um quartinho na casa grande, enquanto milhares de outros negros estão no relento. Eu quero ser o dono da casa, quero que outros negros sejam o donos de sua própria casa grande.

Nos EUA a polícia também mata jovens negros. Porém, quando isso acontece, eles vão pra rua, enfrentam a polícia e incendeiam quarteirões inteiros e fazem campana na porta do local de julgamento dos policiais. Se os policiais forem inocentados, eles queimam mais uns quarteirões.

Recentemente, cinco jovens foram covardemente assassinados no RJ com 111 tiros disparados pela polícia contra o carro em que eles estavam, pois sem encontravam em “atitude suspeita” (sic). Por aqui, atitude suspeita é nascer preto.

O que foi feito nesse caso?

Muitos negros, nem ficaram sabendo desse caso. Nada foi feito. Meia dúzia se manifestou. Claro, os familiares dos meninos.

A mídia esqueceu, ninguém toca no assunto. Os quatro PMs acusados de matar os 5 amigos estão presos, respondem por homicídio qualificado, fraude processual, posse de arma com numeração raspada e esperam a primeira audiência na Justiça que pode ser marcada para esta semana. Não duvido que sejam absolvidos, pois o governo do Rio sequer pagou o enterro dos jovens.

 

Portanto, só conseguiremos acabar com o sistema velado de racismo ao qual estamos expostos e lutar por uma sociedade sem exploração e sem opressão, quando nos ajudarmos. Quando tivermos noção de que a representatividade importa. Quando consumirmos apenas quando nos sentirmos representados, reconhecidos.

Precisamos entender que eles não querem que estejamos em seus comerciais, mas querem que compremos seus produtos, querem nosso dinheiro. Afinal de contas, o dinheiro não tem cor. O sistema capitalista só é ruim para quem não faz parte dele. Quem não quer ser rico? Quem não quer ter posses? Eu quero!

Mas, o sistema foi feito nos padrões “Esquenta” de qualidade. Esse padrão prega que o negro deve se sentir confortável, feliz e sorridente morando na “comunidade”. Deve se aceitar na condição que está, continuando a sambar, feliz e sorridente, porque a favela é bacana. Pra quem?

Existe sim, uma dívida histórica para com a comunidade negra. Mas, vocês já se deram conta de que estamos exigindo essa reparação, exatamente de quem escravizou? Essa reparação nunca será feita da maneira que precisamos. Não temos uma bancada de políticos negros que defendam nossos interesses.

Portanto, esse movimento precisa partir de nós mesmos. Precisamos nos enxergar como grupo, como unidade.

A mudança só acontecerá quando tivermos na mão o poder de decidir. A caneta ou a câmera na mão.

Enquanto isso não acontecer, pequenos gestos poderão iniciar esse movimento. Pode parecer simples, mas vai reverberar na vida de alguém ou na família de alguém.

Você, cidadão negro, já comprou de um negro hoje?

Já escolheu a vendedora mais preta da loja para te atender? A comissão de sua compra poderá ajudá-la com a faculdade ou com a educação dos filhos.

Você empresário negro, já contratou um negro na sua empresa essa semana?

Se você é fotógrafo preto, já se ofereceu para fazer fotos de graça para aquela mina preta que tem pinta de modelo? De repente ela não tem grana pra pagar o book e só depende disso pra deslanchar.

Já contratou a empresa de um negro para prestar serviços para a sua? De repente ele emprega muitos outros negros.

É disso que estou falando. Gestos simples que fazem toda diferença e em todas as esferas da sociedade e que poderá se tornar um ciclo interminável de verdadeiro empoderamento.

 

 

anderson jesus 008-okAnderson Jesus tem como primeira formação as artes cênicas e dramáticas. É formado também em Produção Audiovisual e Pós Graduando em Cinema e Televisão, pela faculdade Belas Artes. Devido a dificuldade para trabalhar como ator, sendo preto e pobre no Brasil, decidiu que criaria seus próprios trabalhos. É criador e diretor da série de TV Desaparecidos do canal A&E, fundador e diretor da produtora Iracema Rosa Filmes e fundador do portal TNM.

 

 

 

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