“O letramento racial no Brasil é tão raso que infelizmente uma mulher preta e empoderada não conhece sua própria história”. Foi assim que a empresária, apresentadora, colunista, criadora e mãe Ana Paula Xongani se manifestou em relação à declaração da participante do BBB 22, provando que é possível atacar o tema, educar e ainda assim ser empática com a pessoa que proferiu as palavras.
E não, ninguém aqui tá dizendo que você tem obrigação de educar ninguém e nem que você deve ser empático com todas as pessoas que cruzarem seu caminho. Mas você nunca esteve nesse lugar de falta de letramento racial? Eu arrisco dizer que, quando mais a gente aprende, mais a gente sabe que ainda tem muito a aprender. E, num país onde mulheres negras não tem chance de errar, um pouco de empatia de outra mulher preta às vezes faz bem, né?
“Não quero ter medo de ser grande”, diz Camila Rocha, que estreia longa-metragem na França
Dá pra falar sobre letramento racial e ser pesada no assunto, mas suave com o sujeito?
“Be hard on the issues, but soft on the person.” Essa aprendi com o poeta, modelo, escritor, jornalista e paslestrante Tiq Milan e com a criadora, palestrante, professora e consultora Kim Katrin na época em que eles ainda eram um casal.
No vídeo da Ana Paula Xongani, ela explica que ninguém “veio” para o Brasil e sim foi trazido, sequestrado e que é importante adequarmos nossa linguagem pra pensar também em quem foram ou são os responsáveis pelas ações e consequências da escravidão.
Ou vocês acham que tem algum sentido em trazer, por exemplo, discussões sobre cotas raciais à tona exatamente no ano em que elas serão revistas se não for minar a educação da população negra?! Ou ainda manter esse tipo de debate acontecendo quando há tanto tempo AD Junior fala sobre as cotas garantidas aos brankkkos desde que as universidades surgiram por aqui?
Aliás, vale lembrar que há pouco tempo crianças negras nem tinham o direito de frequentar escolas por aqui. E que as próprias universidades surgiram para que brancos parassem de mandar os filhos para estudar no exterior.
Ah, vale lembrar também bell hooks, que fala sobre como a ideia de promover a dessegregação nas escolas norte-americanas acabou significando também que as crianças negras tinham que frequentar escolas brancas e lidar com professores que achavam que eles não tinham que ter voz e que eram desobedientes quando tentavam questionar ou dar opiniões. E por que será que temos tantas discussões sobre “racismo” contra brancos ou a legitimidade das cotas raciais e nenhum destes outros temas é tão presente nos debates na escola e na sociedade?!
É claro que promover letramento racial não faz parte das propostas escolares atuais – apesar de termos muitos educadores (e educadoras, principalmente) que lutam para que o letramento aconteça. Mas você já esteve em uma escola questionando como eles aplicam a lei 10.639? Quais são as propostas? Tem promoção de debate ou é só uma discussão rasa sobre os pobres negros que foram escravizados e um detalhamento fetichizado como acontece nas novelas da Globo?
Tem lugar para mulheres negras errarem na sociedade brasileira?
Se é nítido que o não letramento racial é um projeto, saber que uma mulher não conhecer a história racial não torna essa questão sua responsabilidade exclusivamente também precisa ser.
E às vezes eu vejo discussões sobre mulheres negras que nunca erram e/ou nunca pedem desculpas e compartilho do posicionamento de algumas pessoas (quando essas pessoas também são pretas, né). Mas ao mesmo tempo fico me perguntando: será que tem espaço na sociedade pra gente errar?! E nem tô falando (só) da Karol Conká, não.
Parece que a gente tem basicamente dois lugares intelectuais na sociedade: a mulher preta de quem nada é esperado intelectualmente, então ela não precisa corresponder às expectativas de ninguém porque elas não existem ou essa mulher que é transformada numa deusa e que, portanto, não erra. Não erra. Simples assim. Deuses não erram. E se errar? Volta pro lugar de zero expectativas ou tem um lugar no meio do caminho de alguém que está aprendendo como qualquer outra pessoa?
E se pra essa pessoa um erro custar uma vida ou uma carreira toda?! Quem trabalha com internet, por exemplo, pode errar como homens brancos ou ainda canais de mídia brancos que erram, fazem uma retratação ou às vezes nem fazem e esperam a poeira baixar – e nesse caso também podem ser mulheres, por exemplo, (desde que brancas) que pegaram COVID, depois deram festa em plena pandemia dizendo “foda-se a vida”, teve contratos cancelados e hoje já está de volta – e segue o baile ou com um erro ela já não tem mais como se sustentar com o que até então era sua maior fonte de renda?! Quem são os verdadeiras responsáveis por conservar esse estado constante de opressão?!