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terça-feira, 03 outubro 2023
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O furto praticado por um homem branco e a reação de um homem negro

Foto: Reprodução/John Gomez - Shutterstock
Foto: Reprodução/John Gomez – Shutterstock

Fim da manhã, começo da tarde. Saía do Mackenzie. Sim, negro pode ser mackenzista. Pode, também, ser bolsista. É meu caso. A largos passos caminhava com uma amiga. Largos, porque a redação do TNM me esperava. Desci a Consolação como qualquer outro dia. Minha atenção se concentrava sobre os faróis que, não sei porquê, me parecem sempre confusos.

Ouvi, de repente, um grito. Um berro mesmo, de susto. Podia ser alguém machucado por um automóvel, num desses semáforos. De relance, olhei para trás. Ao mesmo tempo que me virei, passou por mim, na velocidade da luz, um homem com um celular na boca, pedalando em sua bicicleta.

Que estranho guardar o celular na boca. Talvez não tivesse bolso. Mas pedalar tão rápido assim sobre a calçada pode ser perigoso. Terminei de virar o corpo e me lembrei. Sempre avisam o perigo de furto naquela região. Entendi o que havia acontecido.

Uma menina acompanhada de dois amigos tinha sido furtada. Que pena. Talvez fosse um IPhone, não sei ao certo. Tão caro. Permaneci a olhar para trás. A mackenzista, vi que carregava na mão esquerda o registro de entrada na faculdade, permaneceu a andar. Sua única reação foi o grito de susto que ouvi, além de um brado de revolta.

No sentido contrário ao nosso, a passos largos um homem subia a rua. Seu sotaque angolano me chamou atenção. Logo, prestei atenção em suas feições. Pele negra, alto e ligeiro. Apesar da revolta, era sereno. Olhava para os lados com a calmaria das águas doces de um rio.

Foto: Moisés Patricio/Reprodução
Foto: Moisés Patricio/Reprodução

“Isso que foi um branco bonito. Mas quando vocês veem um negro, vocês correm”. De relance, eu que penso tanto nas questões raciais, mal reparei. O homem na bike era branco e estava muito bem vestido. Me atrevo ainda a dizer, mesmo sem propriedade, que sua bicicleta parecia bem cara.

Perder um celular é, sem dúvida, cruel. Mas há quem perca, graças ao racismo, diariamente a dignidade. Ah, isso machuca muito mais. Pensei em sair correndo para dar um abraço no homem negro de sotaque angolano. De tão ligeiro, ele já estava na outra esquina. Permaneci pensando naquilo. Meus olhos armazenavam lágrimas que eu queria derrubar. Mas não derrubei.

Nos despedimos, eu e minha amiga. Permaneci caminhando. Pensei que ninguém mais havia presenciado aquilo. Bem mais à frente, ouvi de relance “isso também já aconteceu comigo, mas o ladrão era negro”. Dessa vez, eu não aguentei. Dispensei todas as lágrimas. Entendi porque é tão difícil. Entendi.

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