fbpx
19.5 C
São Paulo
terça-feira, 03 outubro 2023
HomeNotícia"Não se conhece devidamente os escritores negros do Brasil", afirma autor Flávio...

“Não se conhece devidamente os escritores negros do Brasil”, afirma autor Flávio VM Costa

Flávio VM Costa lança livro de contos em São Paulo em março e, em entrevista ao TNM, falou sobre a obra e a necessidade de que mais autores negros sejam lidos. “Eles precisam ser revelados. Lidos. Criticados. Discutidos.”

O escritor baiano Flávio VM Costa. (Foto: Way Comunicações)

O escritor e jornalista baiano Flávio VM Costa lançou, no dia 04 de fevereiro, em Salvador, o seu mais recente livro de contos. A obra, intitulada “Você morre quando esquecem seu nome”, revela as estruturas racistas da sociedade brasileira e tem como cenário predominante a capital baiana.

Apesar do racismo aparecer na obra, o autor afirma que não procurou escrever um livro sobre o tema. “Se essa fosse minha intenção, eu teria escrito um livro-reportagem, um ensaio ou me dedicado à pesquisa acadêmica.”, afirma.

Entretanto, ele observa que, sendo um homem negro que vive “em um país racista”, essas questões podem aparecer em suas narrativas. “Eu apenas não me preocupo em passar lições de moral ou me colocar como porta-voz do que quer que seja.”.

Capa do livro de contos do escritor Flávio VM Costa. (Foto: Way Comunicações)

Flávio estreou na ficção em 2016, com a coletânea de contos ‘Caçada Russa’. A obra, aliás, venceu o Prêmio Bunkyo de Literatura 2018. Antes, entretanto, ele já havia vencido o concurso literário internacional Prada Feltrinelli Prize com o conto ‘Tenente Marcus’.

O TNM conversou com o autor Flávio VM Costa que nos contou mais detalhes sobre a obra cujo lançamento em São Paulo acontece no próximo dia 9 de março, às 19h, na Livraria Martins Fontes Paulista.

TNM: O título de seu novo livro é uma licença poética ou de fato ‘você morre quando esquecem seu nome’?

Flávio VM Costa: O conto que dá título ao livro fala de memória. Toda memória é uma ficção. Criamos narrativas sobre nós mesmos e sobre os outros e não temos controle sobre como essas narrativas serão absorvidas pelas outras pessoas. Nisso reside um conflito e esse conflito é uma questão presente em quase todos os contos da coletânea.

“O título do livro carrega uma espécie de verdade íntima, profunda. De certa forma, prolongamos nossa existência enquanto houver lembrança de nossa passagem por aqui. Enquanto alguém lembrar de nós, estaremos vivos.”

TNM: Como foi o processo de criação deste livro?

Flávio VM Costa: Foi bem fragmentado. Os contos foram escritos entre 2013 e 2019. Os contos mais antigos desse livro são ‘Tenente Marcus’ e ‘Uma História de Goleiro’. Com o passar dos anos fui escrevendo os outros, sem necessariamente pensar em publicação.

Para escolher os livros que integram “Você morre quando esquecem seu nome”, eu procurei juntar aqueles que formavam uma unidade interna, não necessariamente uma unidade temática.

TNM: Você se inspira em fatos para escrever seus contos? Como funciona este processo?

Flávio VM Costa: A primeira coisa que preciso dizer é que não procurei escrever um livro sobre o racismo no Brasil. Se essa fosse minha intenção, eu teria escrito um livro-reportagem, um ensaio ou me dedicado à pesquisa acadêmica. Eu escrevo estórias. Eu não escrevo teses.

Eu escrevo, como todo ficcionista, sobre a experiência humana. E, claro, sou um homem negro vivendo um país racista como Brasil e essas questões provavelmente vão aparecer nas histórias que escrevo. Eu apenas não me preocupo em passar lições de moral ou me colocar como porta-voz do que quer que seja.

Quando você decide se tornar escritor, qualquer coisa pode ativar sua imaginação e servir como base para um novo conto. Um gesto que se flagra, uma frase mal terminada, uma experiência da infância que estava esquecida, a morte brutal de um amigo…

TNM: É um terreno fértil escrever contos com temáticas sobre o massacre de pessoas pretas e ataques racistas no sentido de que isso tem se tornado comum e histórias não faltam para se inspirar ou é apenas uma percepção ingênua acreditar que isso “tem se tornado comum”?

Flávio VM Costa: Não diria que é um terreno fértil. Acho, inclusive, que é um terreno ainda não devidamente conhecido pelos leitores brasileiros. Vou reformular: não se conhece como se deveria no Brasil os escritores negros que trataram do racismo em suas ficções. Não se conhece devidamente os escritores negros do Brasil. Nem os do passado. Nem os do presente.

Este é o país cujo maior escritor, Machado de Assis, é negro. E este escritor era representado nos livros escolares, até outro dia, como se fosse da mesma cor que Liev Tolstói.

Existe um monte de escritores negros escrevendo não só sobre o racismo, mas sobre suas múltiplas experiências. Eles precisam ser revelados. Lidos. Criticados. Discutidos.

“Racismo é o grande tema brasileiro. É o tema que nos define como nação. Nós somos uma república racista. E sendo este um grande tema, é natural que ele apareça cada vez mais na nossa literatura.”

TNM: Que reflexão você deseja transmitir com seus contos que tratam sobre temas tão complexos e importantes como o massacre de pessoas pretas?

Flávio VM Costa: Eu quero que o leitor tenha uma experiência estética, não quero ensinar a ninguém como se deve pensar sobre determinado tema. Se eu quero fazer uma denúncia sobre racismo, eu escrevo uma reportagem ou presto queixa numa delegacia. Escrevo sobre massacre de pessoas pretas como jornalista e tento levar esse assunto a ser enfrentado pela nossa sociedade.

A ficção trabalha sob outra prisma. Se eu quero investigar os efeitos de se viver em uma sociedade racista, eu tento encontrar uma história que conduza essa investigação. Isso é o que faz a ficção. Ela investiga a condição humana e não apresenta respostas para todas nossas perguntas.

Se um leitor ficar incomodado ao terminar a leitura de um conto meu, eu ficarei satisfeito. Se esse incômodo se tornar uma reflexão sobre certo aspecto do conto, ótimo. Eu não escrevo para crianças. Não preciso dizer a ninguém que o racismo é uma coisa deletéria, ruim. Luto contra o racismo como qualquer cidadão, independente de sua cor de pele, deveria fazer. Mas me recuso a fazer da minha escrita um panfleto, pura e simplesmente. Não me sentiria livre se assim se agisse com um propósito edificante.

Quando estou escrevendo ficção, eu penso em frases, em estrutura, em personagem, em voz. Não tenho preocupação em passar determinada mensagem.

SERVIÇO:

Livro: ‘Você morre quando esquecem seu nome’

Autor: Flávio VM Costa

Lançamento em São Paulo: Dia 9 de março, às 19h, na Livraria Martins Fontes Paulista.

Venda: Pré-venda disponível no site da editora Bissau Livros.

Compartilhe

- Advertisment -
- Advertisment -

MAIS LIDAS

COMENTÁRIOS RECENTES