Só no ano de 2021, o número de pessoas negras nos cursos de Medicina aumentou em 21% se comparado ao ano anterior. Alguns motivos podem ser evidentes, já que estamos passando por momentos difíceis em diversos sentidos – que podem tratar de questões financeiras, como a quantidade de pessoas desempregadas em decorrência da pandemia, mas também de questões de saúde, que nunca serão exclusivamente questões de saúde quando consideramos o contexto social em que elas estão inseridas. Outros podem exigir um pouco mais de reflexão.
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Os impactos da pandemia
A pandemia trouxe um cenário nunca antes visto para as gerações aqui presentes, com consequências que já conseguimos apontar e outras que ainda estamos por descobrir.
Embora possa parecer que o impacto da doença é o mesmo em todas as camadas de raça e classe, por exemplo, uma vez que o vírus não faz distinção de pessoas, os últimos dois anos já demonstraram que essa aparência não se faz verdadeira.
Os exemplos estão inclusive na indústria do entretenimento. Na 17ª temporada de Grey’s Anatomy, a personagem principal, uma mulher branca, é acometida da doença durante suas jornadas de trabalho enquanto há uma menção ao assassinato de George Floyd, a revolta de pessoas negras e a decisão de sair em protesto, o perigo que simples decisões carregam – em especial aos corpos de homens negros – e o esgotamento ao concluir que, não importa o quanto essas pessoas estejam dispostas a se doar, o retorno continua sendo em forma de violência, na não valorização de corpos negros.
Para além disso, vimos uma grande mobilização de personalidades, no Brasil e no exterior, a fim de prestar algum tipo de auxílio a tantas famílias que já estavam em situação de vulnerabilidade e passaram a se encontrar em um estado ainda mais frágil. Lizzo ofereceu refeições aos profissionais que estavam na linha de frente, Beyoncé criou fundos para auxílio à moradia, Diddy apoiou empreendedores, Taís Araújo abriu mão de cachê para que famílias impactadas pela pandemia fossem assistidas, Thelminha esteve em Manaus logo após sair do BBB22 para prestar serviços na rede hospitalar da região, a Coalizão Negra por Direitos criou a campanha “tem gente com fome”, que distribuiu 3 toneladas de comida por 10 estados brasileiros…
Não porque a pandemia serviu como um despertar para estas pessoas porque elas não estavam dormindo. Mas porque muitas pessoas negras já estão conscientes de que, se não se movimentarem, o movimento não partirá de nenhum outro lugar.
Pessoas negras na Medicina
Algumas das questões que fizeram com que, historicamente, pessoas negras se afastassem dos cursos de Medicina nos Estados Unidos são os altos custos e débitos que fazem com que os alunos se comprometam sem renda e já saiam da universidade endividados. Embora projetos de ações afirmativas sejam até mais antigos nos Estados Unidos do que no Brasil, o reitor de admissões, Dr. Cedric Bright, da Universidade de medicina East Carolina, admite que as bolsas concedidas pela instituição são concedidas através de ‘mérito’, não por necessidade.
No Brasil, a situação não é diferente. Com valores que podem se aproximar dos R$15 mil mensais e com vagas escassas nas universidades públicas, que superam 100 alunos por cada vaga disputada, não é difícil entender a inviabilidade de estudos de grupos negros.
Ainda assim, depois de identificar que o número de pessoas negras atingidas pela pandemia foi maior entre a comunidade negra, é possível que esse número só cresça. Não será fácil, pois em muitos casos é uma questão de mudar também a mentalidade imposta à pessoas pretas e aos lugares que podemos ou não ocupar, mas o movimento está acontecendo – “Thelminhas” passam a ser mais comuns e nos tiram da perspectiva da história única, já conseguimos perceber outras histórias além de “eu era a única pessoa negra da minha sala” e, apesar de isso ainda não acontecer nos cursos mais concorridos, o acesso de pessoas negra às universidades públicas tem aumentado muito.