Aos 19 anos, Beatriz Servilha tentava pela terceira vez entrar na faculdade. Filha de um pedreiro e uma telefonista, a jovem negra que estudou o ensino médio em uma Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), no Rio de Janeiro, não teria condições de manter seus estudos se não fosse a conquista de ser parte dos 53 candidatos que tiraram notal mil na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Por esse desempenho que a jovem foi aprovada no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), pela cota de estudantes de escola pública, autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar per capita inferior a 1,5 salário mínimo. Sobre isso, Beatriz defende a política de cotas por entender a dificuldade do estudante de escola pública em recuperar o que não aprendeu.
Ao G1, a estudante declarou: “Isso não é sistema de benefício a ninguém. É a forma de o governo corrigir um erro que é deixar o negro de lado, negligenciar a educação do pobre. Por anos, não tive matemática nem biologia”. Por essa lacuna, a jovem precisou integrar um cursinho para melhorar seu desempenho no Enem, mas contou também com os conhecimentos em Libras.
Isso porque o tema da redação era “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil” e há dois anos Beatriz estuda libras para se comunicar com uma amiga surda. Na igreja que frequenta, ela é intérprete da língua de sinais e defende a importância dessa ferramenta para inserção social dos surdos.
Com todo esse conhecimento na área, não podia ser diferente: em sua redação, Beatriz criticou a falta de intérpretes capacitados nas salas de aula com tamanha propriedade que lhe rendeu, mais tarde, o nome na lista de aprovados em medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A jovem negra sempre quis provar aos pais que ‘filha de pobre também pode ser médica’ – e provou.