A escrita negra é aquela que não apaga as vivências. É a forma mais pura de arte, é a voz da resistência.
Por muitos anos a escrita negra foi invalidada, esquecida e embranquecida. Machado de Assis é um dos exemplos mais comentados. Homem negro, que por meio de seus estudos entrou para o ciclo social e ali viu a verdadeira face da elite. Usou suas obras para escancarar comportamentos. É precursor do movimento do Realismo literário no Brasil. Seus livros têm pitadas ácidas. Seu retrato sempre foi feito em preto e branco ou então era adicionada uma cor pálida para definir seu tom de pele. Entretanto, tem pouco tempo que Machado começou a ser representado como um homem preto. Cada embranquecimento é uma forma de descontextualizar a obra do autor.
Cruz e Sousa é outro nome reconhecido, o “Dante Negro”. Muitos acreditam que o poeta trouxe o simbolismo para a literatura brasileira. Diferente do caso de Machado de Assis, o poeta sempre foi representado pelo que de fato era: um homem negro. Uma explicação possível para isso é que ele era negro retinto, o que tornou mais difícil mascarar sua identidade. Lima Barreto é outro exemplo da literatura negra do Brasil. Sua vida foi marcada por adversidades: o preconceito racial, as dificuldades financeiras e os problemas de saúde são fatos marcantes da história do autor. Em suas obras, a ironia está sempre presente e a critica também. Nos livros “Recordações do escrivão Isaías Caminha” (1909) e “Clara dos Anjos” (1948), o racismo ganha destaque. Além disso, Lima Barreto critica a política e o abandono do Estado nas periferias da época – problema que até hoje não foi solucionado.
Viver para escrever: Pretos Em Contos é uma história da escrita negra brasileira
As mulheres na escrita negra
Maria Firmina dos Reis é um retrato do apagamento histórico cultural. Mulher negra, nascida no Maranhão em 1822, foi a primeira romancista abolicionista do Brasil. Com uma visão a frente de seu tempo, Maria Firmina dos Reis publicou “Úrsula”, em 11 de agosto de 1860. Entretanto, as representações feitas da escritora a retratam como uma mulher branca, fato que apaga a importância de sua obra.
Para Maria Firmina dos Reis, a escrita era uma forma de denúncia e de combate ao sistema escravagista da época. Esse é um dos papeis da escrita negra, assim como o protagonismo dos pretos e pretas, afinal, só com a representação é que podemos pensar em mudar a realidade racista. O romance produzido pela escritora trouxe um cenário até então impensado, a humanização das pessoas escravizadas. Desta maneira, Maria procura sensibilizar outros olhares para uma questão que era tão comum. É da natureza humana se acostumar com a barbárie se ela não nos afeta, mas ao retratar de forma sensível e real, é possível mostrar a crueldade instalada pelo próprio Estado.
Maria Firmina do Reis promoveu a verdadeira representatividade, deu voz aos esquecidos acorrentados. Além de toda essa trajetória, a escritora ainda foi a professora de primário, dessa forma conquistou a independência financeira em uma época onde o homem era o poder centralizador. Ela também escreveu o roteiro de sua própria vida.
Não poderíamos falar de escrita negra sem citar Carolina Maria de Jesus. Que trouxe a favela para os holofotes. Com uma escrita simples e rica, ela contou sua história e denunciou o esquecimento do Estado.
Na atualidade
Hoje temos autoras influenciadas por esses grandes nomes. Conceição Evaristo é uma delas, seus poemas tocam a alma. A mineira nasceu em uma comunidade no alto da Avenida Afonso Pena, trabalhou como doméstica e em 1973 se mudou para Rio de Janeiro para cursar Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Tanto no bacharelado como no mestrado Conceição defendeu a importância da escrita negra. A necessidade de reconhecer o talento negro é imensa. Primeiramente não se pode permitir um apagamento histórico, além disso, é preciso se cercar de referências positivas e reais da história.
Ana Maria Gonçalves é outro nome importantíssimo a ser lembrado. A escritora de 50 anos é autora de uma das obras grandiosas sobre raça no Brasil. “Um defeito de cor” é um romance agridoce, que fala sobre raízes, dores e encontros. É um ponto de ligação entre a história do Brasil que se uniu com as vivências do povo preto sequestrado e escravizado.
Ryane Leão é um dos nomes atuais da escrita negra, a jovem vem conquistando seu sucesso por meio das redes sociais. Onde começou compartilhando parte de seus poemas. Entretanto, alguns deles já estavam expostos em lambe-lambes” espalhados pela cidade de São Paulo. Com sua arte, podemos conhecer seus sentimentos e por muitas vezes nos identificarmos com eles.
A escrita negra é exatamente isso. Cheia de potência e significado. Pode ser clássica, pode contar uma história simples, ou ser um poema vindo de um coração despedaçado. A questão é que escrever é um ato político, é resistir e criar arte em meio ao caos. Nessa matéria, você viu alguns exemplos de escritores, mas aqui não estão nem a metade. E aí, quantos escritores negros você conhece e consome?