Cinema
Ok, vamos falar do Oscar 2016!
Próximo domingo, dia 28/02, a premiação chega a sua 88a. edição em meio a polêmica de racismo
Por Antonio C. Oliveira
Relutei bastante antes de escrever este texto, mas depois de analisar o que mais me impressionou no cinema americano em 2015, tive que admitir que há algo muito errado acontecendo nos bastidores da premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
Só para exemplificar, em se tratando apenas de atuação, pelo menos quatro atores negros apresentaram trabalhos excepcionais no ano passado – Samuel L. Jackson, em Os Oito Odiados, Idris Elba, em Beasts of No Nation (em cartaz no Netflix), Michael B. Jordan, em Creed – Nascido Para Lutar, e Will Smith, em Concussion – Um Homem Entre Gigantes.
Mas vamos começar pelo começo.
Primeiro, veio a divulgação da aguardada lista dos indicados à 88a edição do Oscar, em 14 de janeiro. Nenhum representante negro (ou afro-americano, como você preferir) foi indicado nas categorias de atuação – Ator, Atriz, Ator Coadjuvante e Atriz Coadjuvante. Não demorou para a imprensa cair de pau em cima da Academia, pois foi exatamente o que havia acontecido no ano anterior.
Quatro dias depois, o diretor norte-americano Spike Lee declarou publicamente sua insatisfação. “Como é possível pelo segundo ano consecutivo todos os 20 candidatos na categoria de ator serem brancos? 40 atores brancos em dois anos e nenhum negro. Não podemos atuar?!”, escreveu numa rede social.
Logo em seguida, a atriz e produtora Jada Pinkett Smith e seu marido, o ator Will Smith, se juntaram a Lee e divulgaram que não comparecerão à cerimônia em 28 de fevereiro em protesto. O burburinho na mídia e redes sociais estava feito e discussões acaloradas se seguiram, com muita gente apontando que a Academia é racista – ou sempre fora.
Mas até que ponto o que aconteceu pode ser considerado racismo?
BASTIDORES
Como o próprio Lee reconhece, a questão é mais complexa do que parece e se desenrola em âmbitos diversos. Por exemplo, praticamente não há produtores negros ou mesmo estúdios dirigidos por executivos negros. Outro ponto a ser considerado é que os membros da Academia que votam nos melhores do ano são, em sua maioria, sexagenários e… brancos.
“Velhos e racistas, está explicado”, você deve estar pensando. Mas não, ainda não. Há mais a se considerar.
A batalha pelas indicações ao Oscar acontece sempre nos últimos meses do ano, quando os estúdios escolhem seus favoritos e dão início às campanhas pela atenção dos eleitores. E é justamente aí onde reside o maior problema: grandes estúdios têm mais recursos e investem pesado na divulgação de suas produções.
A organização do Oscar permite que os estúdios enviem seus filmes para a consideração dos membros da Academia – algumas edições são tão bem elaboradas que se tornam verdadeiras pérolas de colecionador. E, infelizmente, isso acaba influenciando muito na lista dos indicados. A velha máxima de que propaganda é a alma do negócio acaba se confirmando.
Para finalizar, a bem da verdade é que Lee está certo. Essa receita de jogo bastidores chegou ao seu limite – é, sim, velha, preconceituosa e injusta, muito injusta. Hollywood precisa urgentemente de uma maior diversidade em sua principal premiação. E não se trata de criar cotas, mas sim de demonstrar respeito por seus profissionais, independente de cor de pele.
Em tempo, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, cuja diretora, Cheryl Boone Isaacs, é negra, não gostou nada dessa má repercussão e tratou de correr atrás do prejuízo, se desculpando e divulgando uma série de medidas para diversificar seus quadros e criar mais oportunidades para minorias nas próximas edições.
Antes tarde do que nunca. Será?
OS 14 ATORES NEGROS VENCEDORES DO OSCAR
A primeira cerimônia do Oscar aconteceu em 1929, há 87 anos, mas a primeira premiação a um negro só se tornou realidade em 1939, quando Hattie McDaniel levou a estatueta de Atriz Coadjuvante por interpretar a ama Mammy, em …E O Vento Levou.
A curiosidade aqui é que Hattie foi criticada durante toda sua carreira de atriz por quase sempre “escolher” papéis de escravas e domésticas. Uma injustiça, já que Hattie, que era também compositora e cantora, tinha um histórico de conquistas inéditas para um artista afro-americano – foi a primeira negra a cantar no rádio, em 1925, só para citar uma delas.
Certa vez, ao ser criticada por sempre fazer papéis de empregada, Hattie afirmou que, se não estivesse fazendo papéis de empregada no cinema, estaria fora dele trabalhando como uma empregada de verdade, ganhando muito menos por isso.
Voltando ao Oscar, a segunda premiação de um ator negro só ocorreria 34 anos depois, em 1963, com Sidney Poitier, o eterno professor de Ao Mestre, Com Carinho. Poitier arrebatou o prêmio de Melhor Ator por Uma Voz Nas Sombras, do provocativo diretor Ralph Nelson. Cinco anos antes, Poitier já havia sido indicado por Acorrentados.
A premiação de Poitier foi um marco na história do cinema e coroou a brilhante carreia de um ator engajado em combater a discriminação racial.
Pena que demoraria mais sete anos para que outro ator negro fosse indicado, e mais 19 para que Louis Gossett Jr. pusesse suas mãos na estatueta de Ator Coadjuvante pelo farofento A Força do Destino.
No total, até hoje apenas 14 atores negros foram premiados pela Academia, mas 15 estatuetas foram entregues, já que Denzel Washington ganhou duas vezes – Ator Coadjuvante, em 1990, e Ator, em 2002.
E até o ano que vem a lista continuará assim, infelizmente.
Confira abaixo a lista completa – o ano indicado é o da premiação e não do lançamento do filme:
1940 Hattie McDaniel, Atriz Coadjuvante, …E O Vento Levou
1964 Sidney Poitier, Ator, Uma Voz Nas Sombras
1983 Louis Gosset, Jr., Ator Coadjuvante, A Força do Destino
1990 Denzel Washington, Ator Coadjuvante, Tempo de Glória
1991 Whoopi Goldberg, Atriz Coadjuvante, Ghost – Do Outro Lado da Vida
1997 Cuba Gooding Jr., Ator Coadjuvante, Jerry Maguire – A Grande Virada
2002 Denzel Washington, Ator, Dia de Treinamento
2002 Halle Berry, Atriz, A Última Ceia
2005 Jamie Foxx, Ator, Ray
2005 Morgan Freeman, Ator Coadjuvante, Menina de Ouro
2007 Forest Whitaker, Ator, O Último Rei da Escócia
2007 Jennifer Hudson, Atriz Coadjuvante, Dreamgirls
2010 Mo’Nique, Atriz Coadjuvante, Preciosa – Uma História de Esperança
2012 Octavia Spencer, Atriz Coadjuvante, Histórias Cruzadas
2014 Lupita Nyong’o, Atriz Coadjuvante, 12 Anos de Escravidão
Antonio C. Oliveira é jornalista, roteirista e crítico de cinema. Sergipano radicado em São Paulo desde 2002, trabalha como desenvolvedor de conteúdo para cinema, televisão, internet e celular há mais de dez anos e escreve a coluna Plug-In às sextas-feiras no site Clube Sexy.