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terça-feira, 03 outubro 2023
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Cidinha da Silva Só o escárnio explica o Rio de Janeiro ter um candidato a prefeito que bate em mulher

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Só o escárnio explica o Rio de Janeiro ter um candidato a prefeito que bate em mulher
Por Cidinha da Silva
O caso de violência doméstica do Deputado Federal Pedro Paulo Teixeira contra sua ex-esposa, Alexandra Marcondes, teve mais um capítulo. Desta feita, veiculado em vídeo.
Alexandra, antes agredida, declarou-se agressora de Pedro Paulo. Até chegar a este capítulo de fevereiro de 2016, a imprensa havia tornado público boletim de ocorrência feito por Alexandra, em 2010, dando conta de que fora agredida a socos e pontapés pelo ex-marido, após descobrir situação de infidelidade com outra mulher dentro da casa do casal.
A exposição levou Pedro Paulo à manjada estratégia de admitir o erro, a traição, confiante no beneplácito da opinião pública que perdoa as escapadas de homens jovens, tidos como bonitos e fogosos, como ele. Afinal, o povo é mais condescendente com os potrões do que com os cavalos velhos.
Pedro Paulo, entretanto, escorregou ao dizer que agrediu Alexandra uma vez só. E que atirasse a primeira pedra quem nunca se excedeu numa relação conjugal. Recurso usual para galvanizar o apoio dos homens.
A imprensa investigativa foi a campo novamente e descobriu outro boletim de ocorrência, com agressões datadas de 2008.
A agredida, Alexandra Marcondes, irritou-se com a publicidade do caso. Reclamou em entrevista que a filha estava sendo ridicularizada na escola (costuma ser comovente envolver as crianças no dramalhão, fazê-las sofrer com a atitude dos outros, não a dos pais) e ela mesma estava sendo prejudicada por uma questão “doméstica”. O caso estava superado. Que os deixassem seguir em paz.
Ocorre que, uma vez instaurado o processo, a Lei Maria da Penha garante que ele continue, mesmo que haja retirada da queixa.
Bem orientada por advogados e pelo ex-marido, interessado direto no encerramento da questão, Alexandra chegou a procurar o Ministério Público e mudou o que havia afirmado nos boletins de ocorrência. Alegou que nunca fora agredida e que a denúncia fora invencionice própria pautada pelo desespero da separação.
Jogou a cartada de que tudo é possível tendo em vista o imaginário machista que considera as mulheres como seres instáveis e insanos.
Nesse ínterim, houve parecer de legista independente demonstrando que Pedro Paulo teria agido em legítima defesa. E agora, pensam que nos enganam com as patéticas alegações de PP ao Ministério Público Federal pretendendo ter apenas reagido às agressões da ex-esposa. Para o casal só o adágio popular tipicamente carioca se aplica, “me engana que eu gosto”.
Está patente o desespero de Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, e de Pedro Paulo Teixeira, primeiro na linha sucessória que Paes pretendia ratificar na eleição municipal.
O pupilo precisa ser salvo a todo custo para cumprir o projeto do PMDB de Paes na cidade. Para tanto, lançam mão de expedientes corriqueiros entre políticos, militantes de partidos e da sociedade civil, empresários, professores universitários, sindicalistas, figuras masculinas agressoras e públicas, que é o de pressionar (às vezes negociar com) a mulher agredida pela redução de danos à imagem do agressor.
É possível que haja compensação financeira no caso dos endinheirados. Noutros casos, a culpabilização da mulher pela “destruição” de um quadro político promissor (também os consolidados) é a tática escolhida. Afinal, num momento de desespero, esses homens foram tragados pela pressão cotidiana do capitalismo, da polícia, do racismo, do classismo ou de qualquer outra ordem e desceram o braço na esposa. Essa culpa as fragiliza ainda mais.
A esposa é instada à compreensão, ao perdão, a não denúncia, à manutenção da integridade familiar, à renúncia de si mesma. A guarda dos filhos, os ilusórios cuidados com a psiquê deles, tornam-se moeda de troca e instrumento opressor das mulheres.
A atitude de Alexandra, por sua vez, avilta a memória das mulheres que perderam a vida nas teias da violência doméstica.
Vilipendia as mulheres que hoje denunciam seus algozes e por esse motivo correm risco de morte. Desrespeita todas as mulheres que entregam suas vidas à batalha pela garantia dos direitos da mulher.
Que exemplo Alexandra dá às meninas que a cercam? Que tipo de mensagem emite a filhas, sobrinhas, primas, amigas dessas garotas que frequentam sua casa? “Sejam submissas, gurias! Apanhem caladas como nos tempos da pedra lascada. Não deixem que o destempero dos maridos vaze para a polícia e ainda menos para a imprensa”.
E para os meninos? Filhos, sobrinhos, primos, amigos desses garotos que também frequentem sua casa? “Podem descer a ripa nas meninas e mulheres, meninos! Mulher gosta mesmo de apanhar. Vejam o meu caso. Me utilizem como exemplo para exigir das mulheres uma atitude pro-ativa de proteção à família e à reputação do patriarca”.
O que Alexandra Marcondes não sabe é que, diferente de Dona Ruth Cardoso que talvez tivesse acordos matrimoniais e de distensão conjugal com Fernando Henrique, aos quais nunca teremos acesso, os dela e de Pedro Paulo são escandalosamente decodificáveis e inaceitáveis.
Trata-se do velho modelo patriarcal de que, em nome da preservação da carreira política do marido e da situação patrimonial da família, a mulher se sujeita ao que for necessário e definido pelo macho. Tristes trópicos.
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11072653_631558113641256_5001057063740199251_nCidinha da Silva, mineira de Belo Horizonte, é escritora. Autora do livro “Racismo no Brasil e afetos correlatos” (2013) e “Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas do Brasil” (2014).

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