A experiência negra é composta principalmente pelo apagamento arquitetado pela colonização, aspecto que marca o desaparecimento de memórias e o afastamento do indivíduo negro de sua identidade cultural. Foi pensando nesse resgate que a artista visual pernambucana, Gi Vatroi, após seus 10 anos de carreira artística independente, se dedicou a fazer uma imersão em sua própria história familiar no município de Tracunhaém, buscando entender sua relação hereditária e ancestral com a tradição do barro.
O projeto Encruza é uma iniciativa que busca expandir a pesquisa e os processos criativos/experimentais da própria artista, através da linguagem do barro, tendo essa matéria viva como possibilidade para o registro de narrativas do corpo negro diaspórico, suas fabulações e memórias ancestrais. “Encruza, nasce e se derrama, como braço de rio que flui, corre, ramifica e por vezes abre caminhos que outrora não estiveram alí. Esse projeto me possibilitou trocas, aprendizados e a experimentar a materialização dos meus pensamentos e as fabulações artísticas através da escultura”, destaca a artista Gi Vatroi sobre o projeto.
Durante dois meses a artista esteve em Tracunhaém para conhecer um pouco mais de sua história familiar, mas também para mergulhar numa imersão artística com Mestre Val Andrade e Mestra Eliete Pereira, artistas que são referência no trabalho com cerâmica no território. Um intercâmbio de saberes dessa tradição que inverte os sentidos tradicionais de migração, saindo da região metropolitana para Zona da Mata pernambucana.
Portando apenas fragmentos que conseguiu acessar a partir de uma caixa de fotos deixada pela sua avó e as histórias contadas pelas suas tias, a artista se encontrou com novas práticas artísticas, diversidades estéticas e conceituais, além de refletir sobre a continuidade dos saberes e tradições do ofício ceramista no estado de Pernambuco. “O movimento de retorno é um desafio, águas turvas me convidam a fechar os olhos e sentir. No corpo uma memória que não é só minha, se dilata a cada encontro, troca com os mestres e jovens artistas do barro em Tracunhaém. Perceber e potencializar a continuidade desses saberes e a tradição a partir da nossa prática. Não há começo nem fim. Somos continuidade”, conclui a artista.
Todas essas experiências do projeto Encruza foram registradas pela artista a partir de vídeos, fotografias e áudios. Material que pode ser contemplado em um Zine Digital — de mesmo nome do projeto — que será lançado pela artista nesta semana. O Zine oferece uma nova experiência de leitura para o público, sem uma necessidade de apresentar fatos numa cronologia, com foco na composição não linear. Vale ressaltar que o material também conta com acessibilidade para pessoas com deficiência visual.
O Zine Digital Encruza, que conta com financiamento da Lei Aldir Blanc – Pernambuco, produção executiva do Mandume Cultural, design de Rafael Albuquerque, edição de vídeos de Michel Souza, consultoria de acessibilidade de Priscila Xavier e edição de Luna Vatroi, será lançado numa live no próximo dia 28/04, às 19h, no Instagram da artista e ficará disponível para baixar gratuitamente na bio do perfil.