A conversa sobre invisibilidade de mulheres negras em diferentes espaços não é de hoje. Taís Araújo nos relembrou mais recentemente sobre o reconhecimento de Ivete Sangalo. Por que será que Ivete Sangalo atingiu um ponto tão alto em sua fama que tempos atrás foi considerada para cantar no Vaticano enquanto Margareth Menezes tem dificuldade para realizar uma transmissão ao vivo durante a pandemia por falta de patrocinador? Por que Daniela Mercury pode se declarar a dona de uma cidade que tem Margareth Menezes como referência?!
E essa não é simplesmente uma questão de disputa entre mulheres. Em sua faixa “Sonhando”, Drik Barbosa relembra de sua caminhada para chegar onde está, das mulheres que abriram caminho pra que hoje ela pudesse viver de música e que, ainda assim, “os mano ainda diz que as mina rima nada”.
Esses dias tive uma conversa com a Lucia Makena, avó da MC Soffia, e falamos sobre as dificuldades no movimento hip-hop de modo geral. Sabemos que são poucos os que conquistam o sonho de viver da música. Mas, ao mesmo tempo, precisamos falar sobre o quanto meninos que estão ingressando no rap são mais facilmente abraçados por outros homens que já fazem parte do movimento enquanto isso é muito mais difícil no caso de meninas.
Ao longo da semana, uma discussão do BBB também evidenciou o tema. Um dos participantes, Vyni, o influenciador de baixa renda que pertence ao grupo Pipoca, pontuou que existe a música antes e depois da Anitta.
Precisamos falar sobre invisibilidade
Em primeiro lugar, o objetivo desse texto não é o de colocar Vyni ou sua fala em evidência porque ele não é o único a fazer esse tipo de apontamento. Como um homem negro, ele também já é bastante preterido pela branquitude, inclusive em questões que precisam ser debatidas e diferenciadas das questões ligadas às mulheres negras, como a violência policial, por exemplo, e como esse estereótipo reverbera na indústria do entretenimento. Quantos atores negros você conhece que nunca interpretaram um bandido ou um personagem violento? O objetivo é trazer à tona questões que foram naturalizadas por todes nós enquanto sociedade.
Nos vídeos que andam rodando a internet, quando Vyni faz essa fala, a bailarina Brunna Gonçalves está participando da conversa. O que levou muites de nós a quase que automaticamente pensar na Ludmilla, não? Dan Mendes até fez uma piada sobre o tema, dizendo que Vyni tinha acabado de perder uma excelente oportunidade de prestigiar o “Numa Nice”, uma grande produção de pagode da cantora.
Onde estão as cantoras negras na mídia?
Eu me lembro que anos atrás vi uma matéria no Fantástico falando sobre a incrível carreira da Anitta, que estava fazendo shows em Nova Iorque. O que é engraçado é que a Ludmilla também estava fazendo shows internacionais na época, talvez até em Nova Iorque, agora não consigo me lembrar, e o programa não fez nenhuma menção ao trabalho da antiga MC Beyoncé.
Bom, eu não sou grande consumidora do Fantástico, mas nunca vi ou soube de qualquer matéria dedicada a ela e ao fato de que algumas músicas de “Numa Nice”, por exemplo, se aproximam do sotaque do português falado em alguns países da África, o que eu presumo que seja justamente uma intenção de se aproximar porque em seu perfil nas redes sociais, a cantora mostra que já esteve no continente mais de uma vez.
Ah, Agnes Nunes, em sua nova produção exclusiva para o YouTube Originals, fala sobre a conexão que a música cria e que teve essa percepção quando fez sua primeira turnê internacional na África, mais especificamente em Angola. Não é curioso que a mídia não fale sobre isso?
É curioso, mas não é incomum. Até por isso a própria Ludmilla já protestou não só quanto à falta de visibilidade, mas também de reconhecimento de cantoras negras pela indústria de entretenimento, Gaby Amarantos já disse que a mídia age como se o Norte do Brasil não existisse e não para na música. Só pra ficar nas citações já feitas no texto e para citar novamente Taís Araújo, a artista já revelou no passado que achava que nunca mais faria uma protagonista depois de Xica da Silva.
E, para falar na figura que Anelis Assumpção definiu como o atravamento da música brasileira que nos deixou órfãos essa semana, encerro esse texto com uma provocação feita ontem enquanto tinha uma conversa com a minha orientadora, a Profª Drª Ellen Souza: por que é que há unanimidade em considerar Elis Regina o maior nome da música brasileira e essa conversa sequer acontece com o nome de Elza Soares?