Nas últimas horas, uma cena da novela As Aventuras de Poliana, produzida e exibida pelo SBT, ganhou repercussão nas redes sociais. Na passagem, um diálogo entre a menina Késsya (Duda Pimenta) e Helô (Eliana de Souza), respectivamente, aluna e diretora de um colégio, chamou atenção do público negro. Duas personagens negras na mesma ação seria motivo de muito orgulho e representatividade, não fosse pelo roteiro que normaliza as violências sofridas por pessoas negras ao estabelecer que somos todos iguais e que os próprios negros se enxergam diferentes.
Ao que tudo indica, a cena anterior ao diálogo foi o roubo do “nariz da escultura”. A primeira e principal suspeita do crime foi Késsya, menina negra e de cabelos crespos que desabafa com a sua coordenadora, Helô, explicando que essa suspeita não cairia sobre ela caso fosse branca e rica como outra menina da escola. Se acabasse aí, o episódio não só estaria expondo como criticando uma sociedade em que os seguranças seguem negros nos shoppings ou em que policiais abordam violentamente negros por qualquer ou sem motivos.
Mas a cena se desenrola com Helô fazendo um discurso sobre sermos todos iguais. Por si só, essa já é uma teoria perigosa, já que somos a maior parte do presídio, a maior parte do desemprego, a maior parte dos violentados e a menor parte das escolas. O mito da democracia racial já foi provado e comprovado muito além das nossas falas – hoje, os dados reafirmam as vivências da população negra que sente literalmente na pele os efeitos do racismo.
A coordenadora, também negra, cita ainda que a primeira parte de tornar-se igual é sentir-se igual, como se o desabafo da aluna fosse uma forma de vitimização social, citando ainda que passou por esse processo de se sentir igual aos outros e que a garota também deve passar em algum momento.
“O discurso é parte do pensamento da escritora da novela Iris Abravanel, da sua equipe de roteiristas, da direção e produção desta novela”, como bem disse a página A Mãe Preta. Talvez seja ainda o pensamento de uma emissora que constantemente tem seus donos relacionados a episódios racistas em rede nacional. Tornar negros responsáveis pelas violações de direitos a que são submetidos diariamente é parte de um sistema covarde e racista.
Todo o tempo discutimos sobre representatividade. As Aventuras de Poliana é uma novela voltada ao público infantil, o que mais precisa ser representado e que mais sofre com a discriminação racial, principalmente nos espaços de educação e lazer. Quando parece ser possível se enxergar nas telinhas, se descobre necessário um senso ainda mais crítico: aquele que distingue se os discursos foram pensados com sensibilidade e responsabilidade o suficiente para que sejam absorvidos pelas crianças.
O episódio ensina crianças a agirem passivamente às violências a que são submetidos na escola e a gestores educacionais tornarem as vítimas culpadas do racismo que sofrem. Pelo visto, sermos representados no audiovisual – algo pelo qual tanto lutamos – se converteu em estratégia da mídia racista para diminuir a dor que sentimos a partir das palavras que saem da boca de pessoas como nós.