Setenta. Um número a menos do que apontou o Atlas da Violência 2017: a cada 100 mortos no Brasil, 71 são negros. Os setenta de que estamos falando, no entanto, não viviam no Brasil, nem em 2017. Apesar disso, em solo brasileiro, segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que analisou 2015 e 2016, a polícia matou o triplo de negros do que de brancos no período. Os setenta de que falamos, pasmem, também foram mortos por quem devia garantir sua segurança.
O projétil da polícia atingiu setenta negros. Parece uma narrativa atual, mas não é. Falamos de negros e negras que caminhavam acompanhados de uma caderneta. Na verdade, o amontoado de papéis era um mapa: determinava locais que podiam ser frequentados pela carne mais barata do mercado que, por coincidência, era também a mais alvejada pelos fuzis das autoridade, bem como hoje.
O livrete era uma das mais importantes armas do apartheid: mirava a dignidade, engatilhava o desrespeito e atirava nos direitos civis. O regime de segregação racial adotado na África do Sul, de 1948 a 1994, marcou muitas vidas. Especialmente, as setenta vidas fuziladas pelas armas das autoridades. Eram pan-africanistas que reivindicavam a extinção da “lei do passe”, no dia 21 de março de 1960, em Sharpeville.
O Massacre de Sharpeville, como ficou conhecido mundialmente, reforçou a supremacia branca coagindo o movimento negro. Na época, o Congresso Pan-Africanista tinha sido criado há cerca de dois anos e boa parte dos militantes que, com punhos cerrados e cabeças levantadas, lutaram para formação do grupo e, posteriormente, pelo fim da “lei do passe”, pouco tiveram tempo de encabeçar novas reivindicações.
Partiram enquanto marchavam contra os reflexos do sistema escravocrata. Assim como em outros lugares no mundo, nomes como Martin Luther King, Malcolm X, Zumbi dos Palmares. Bem como Marielle. Em memória a esse massacre, que tanto se parece com o massacre no Carandiru ou a chacina em Osasco, foi instituído o Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, em 21 de março.
Também conhecida como Dia Internacional Contra a Discriminação Racial ou Dia Internacional de Combate ao Racismo, a data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), para resgatar o ideal de quem lutou em 1960 por direitos civis e pelo fim do racismo. No entanto, no decorrer da história, com tantos outros massacres, essa data se tornou um pouquinho memória a cada negro e a cada negra cuja vida foi ceifada.
Preta. Pobre. Poeta. Periférica. Prounista. Filha de Oxum, tem paixão pela palavra e estuda o último ano de Jornalismo na Universidade Presbiteriana Mackenzie.