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terça-feira, 03 outubro 2023
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Descendentes de Wakanda

Ele saiu do cinema com os olhos brilhando como dois faróis que iluminavam o caminho de quem estava perdido. A emoção na voz quando veio falar comigo me deixou arrepiada antes mesmo que ele terminasse de completar o que queria me dizer. Com um sorriso imenso em seus lábios contou como estava feliz de ter visto um super-herói que se parecia com ele. “Agora o meu herói favorito é o Pantera Negra”, disse o menino com a coragem no peito de quem descobre amor por si próprio.

Este menino é Yuri, um garoto negro de 11 anos criado em um abrigo para menores. Ele, os três irmãos e outras crianças e adolescentes assistidos pelo abrigo se reuniram num cinema em São Paulo para assistir o filme Pantera Negra numa sala organizada pelas Mulheres Negras Empoderadas, grupo que surgiu há dois anos na internet e que reúne mais de dez mil mulheres negras de todo o país.

Yuri era a cara da felicidade, o cinema parecia pequeno pra todo aquela alegria. Lembro de muitos sorrisos e muitos encantamentos, mas o rosto de Yuri ao sair da sessão ficou emoldurado em minha mente como o significado de representatividade. Acredito que a partir daquele dia, sempre que alguém me perguntar sobre representatividade eu me lembrarei do sorriso e dos olhos de Yuri que pareciam ter descoberto a si mesmo naquele exato momento.

Pantera Negra é o filme que vem batendo recordes de arrecadação em bilheterias de todo o mundo. Principalmente entre o público negro que se identifica com a história de Wakanda, uma Nação Africana que, eu imagino e acredito, retratar o que seria a África se não tivesse sido invadida e colonizada pelos Europeus. Uma Nação onde as mulheres exercem o matriarcado, são guerreiras. Uma Nação altamente inovadora e tecnológica. Eu me sinto descendente de Wakanda, ainda que na ficção, Wakanda é, pra mim, o sonho: a terra prometida.

O encontro no Shopping Eldorado foi um sucesso, assim como o filme. Mas de tudo o que vi eu só consigo escrever sobre Yuri. Eu o vi no filme. O vi no rosto do vilão. O personagem Erik Killmonger representa todos os meninos negros abandonados pela sociedade e que crescem sem afeto. O que a sociedade espera que um menino negro que cresce em um orfanato sem o carinho dos pais se torne? Um bandido? Um menino perdido na cracolândia? Mais um corpo superlotando o sistema penitenciário? Mais um dos 73 meninos negros que são assassinados todos os dias neste país?

Uma noite no cinema decerto não será suficiente para mudar o destino que o sistema traçou para Yuri antes mesmo que ele nascesse. Mas eu vi o dia que este menino descobriu que era herói. Eu contemplei os olhos dele e vi que os sonhos que ele trazia não cabiam naquele cinema.

Pra finalizar, pois hoje já falei demais. Quero mandar um salve para o Thiago Lifer.  Se você quiser te levo pra conhecer o Yuri, seus irmãos e os outros meninos do abrigo. Quero ver se você vai sair de lá dizendo que este negócio de representatividade não leva a nada.

Imagens do encontro promovido pelo grupo Mulheres Negras Empoderadas para a estréia do filme Pantera Negra:

1p 2p 3p 4p 5p 6p

 

crisCris Guterres
Jornalista, leonina, feminista e dona do próprio destino.

 

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