Quando eu tinha 17 anos o meu grupo favorito de música era o Destiny’s Child.
Beyoncé reinava com toda a força no comando do trio e era a queridinha dos fãs, mas eu só tinha olhos para o cabelo da Kelly Rowland.
Beyoncé, Michelle Willians e Kelly Rowland com seu maravilhoso cabelo.
Eu estava obcecada naquele cabelo. Não pensava em mais nada além do brilho daquelas madeixas. Um corte chanel com franja e luzes em tom vermelho. Nada se comparava à beleza daquela mulher com aquele cabelo.
Encontrei um salão do outro lado da cidade que trazia um método de alisamento dos Estados Unidos. O preço também vinha dos Estados Unidos. Fiz minha mãe gastar uma fortuna naquele salão, passamos meses pagando aquele alisamento em nada suaves prestações.
O dia em que saí do cabeleireiro foi apoteótico. Não tinha quem não olhasse a beleza dos meus fios que balançavam ao vento.
Ficou perfeito até o dia eu lavei. Depois que lavei nunca mais foi o mesmo.
Todos os dias de manhã eu estava em frente ao espelho tentando manter o alisamento. Eu acordava uma hora mais cedo. Me posicionava em frente ao espelho e começava a sessão tortura. Secador, babyliss, óleo reparador.
Todos os dias.
Tinha dias que eu dormia de bob ao estilo Dona Florinda, mas não deixava de acordar mais cedo para cumprir o ritual, secador, babyliss e óleo reparador que nunca reparava nada.
Queimei a testa, a nuca, o ombro e o cabelo. Com este ritual diário em pouco tempo eu quase fiquei careca. E o pior é que nunca meu cabelo ficou igual ao da Kelly.
Não adiantava o que eu fizesse, a força que eu colocasse, as horas em frente o espelho que eu passasse. NUNCA FICOU IGUAL AO DA KELLY.
Anos depois, conversando com uma amiga sobre toda a minha saga do cabelo Chanel com luzes vermelhas descobri quão ingrata é a tentativa de se encaixar numa norma estética.
Aos risos, minha amiga me disse que a Kelly sempre usou peruca e que eu não precisava ter ficado horas na frente do espelho tentando parecer com ela. Era só eu ter comprado a tal peruca.
Ainda que eu tivesse comprado a peruca ou que eu tivesse conseguido alisar o cabelo igual ao dela não estaria resolvido o meu problema. Aquela obsessão por cabelos lisos dizia muito mais sobre a minha ausência de amor próprio do que eu poderia imaginar.
A mídia impôs um padrão para ser uma mulher negra aceitável. E eu queria ser esta mulher. Cabelos lisos, nariz fino, quadris largos, lábios pequenos. Eu só não queria ser eu mesma.
Eu vinha, desde criança, cultivando uma raiva dos meus cabelos crespos que constantemente eram ridicularizados. Demorou muitos anos para eu descobrir que o meu crespo, meu nariz largo, meus lábios grossos eram a herança mais preciosa que eu trazia dos meus ancestrais.
Fui ao êxtase no dia em que vi Lupita Nyong’o, com seu cabelo crespo, ser eleita a mulher mais bonita do mundo.
Não conseguia para de pensar nos cabelos de Lupita. Em como eles eram iguais aos meus, LINDOS. Achei milhares de semelhanças entre nós duas. Colei uma foto dela na parede do meu quarto.
Senti orgulho do meu cabelo pela primeira vez, chorei em silêncio na cama. Agradeci por ter entendido que autoestima também é resistência. Autoestima também é me enxergar bela enquanto todos dizem ao contrário.
Eu ainda tive a sorte de poder passar por um processo de transição e recuperar meus fios crespos, muitas mulheres negras ficaram carecas tentando se encaixar na norma estética. E não venham me dizer que a culpa é nossa, que nós não gostamos dos nossos cabelos. Você conhece algumas gerentes negras de agências bancárias que trabalham com seus lindos cabelos ao estilo black power? Quantas bonecas negras com cabelo crespo você encontra nas lojas de brinquedo? Quantas Lupitas temos na televisão brasileira?
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Cris Guterres
Jornalista, leonina, feminista e dona do próprio destino.