20 de novembro, dia de andar armado. No cabelo, no sorriso, na resistência. Dia de cerrar punhos em sinal de força. Dia de quebrar as correntes. Dia de vestir o ojá. É em referência a Zumbi, do quimbundo nzumbi que faz alusão a espíritos sobrenaturais com duendes e fantasmas, que alçamos vozes conscientes de sua negritude. Zumbi era Francisco, menino livre, educado pela igreja que aprendeu até latim.
Com 15 anos, o alagoano fugiu e voltou ao seu lugar de origem. Daí, Zumbi. Porque estava morto e reviveu. Renasceu em si mesmo, reconhecendo sua ancestralidade. O fugitivo se tornou líder do Quilombo dos Palmares, a mais famosa comunidade habitada por negros que resistiam à escravatura. Zumbi tinha força sobrenatural e não agia sozinho. Com ele, Dandara dos Palmares e tantos outros resistiram.
Em 20 de novembro de 1695, o líder quilombola sofreu uma emboscada. Teve a cabeça cortada exposta em praça pública para que a lenda de sua imortalidade tivesse fim. Parece que nem isso foi suficiente. Mais de 300 anos após a morte de Zumbi dos Palmares, negros e negras renascem em si mesmos e reconhecem sua ancestralidade. É assim que se tornam novos Zumbis.
Esses também têm força sobrenatural para lidar com o racismo institucional que, dia após dia, coloca em perigo suas cabeças. São a maioria dos desempregados, a maioria da juventude morta em chacinas, a maioria dos presídios, a maioria das mulheres mortas nos partos, a maioria das vítimas de violência doméstica, a minoria das universidades. São mais da metade do Brasil erguendo mãos fortes que se fecham para lembrar os muito mais de três milhões de negros escravizados recebidos em solo brasileiro.
Para lembrar ainda que a carne mais barata do mercado naquela época é ainda a carne mais marcada pelo Estado. O racismo é a maior herança do sistema escravocrata num país que se vangloria da diversidade racial. Diversidade essa que tem numa de suas bases o estupro do homem branco à mulher negra escravizada. Diversidade que faz o Brasil parecer o “País do Futuro”, quando ele não é.
Quando os mares que envolvem essa terra carregam as vozes de cada negro jogado ao mar amarrado às pedras para que afundasse mais rápido. Hoje, a correnteza do mar é como o racismo e a população negra permanece presa às pedras para que afunde rapidamente. As pedras são grandes e muitas: desemprego, solidão da mulher negra, encarceramento, chacina.
Mesmo assim, aprendemos que quando Zumbi chega é Zumbi quem manda. E nos levantamos como novos Zumbis. Aqueles que demoraram a reconhecer em si o preto da pele, graças à miscigenação. Aqueles que demoraram a reconhecer em si o traço negroide, graças à ridicularização do fenótipo. Aqueles que demoraram a aceitar o crespo do cabelo que cresce livre, em direção ao céu.
Livre como o olhar de quem enxerga dias melhores. Mas firma os pés no chão, com resistência: sem romantismos. 20 de novembro é dia de se orgulhar daqueles que nos representam e diminuíram as diferenças. Mas é dia de lembrar que aqui o golpe é certeiro e pelas costas. E, que em meio ao racismo institucional, pouco se tem a celebrar. É dia de se firmar na guerra, com a força sobrenatural de Zumbi, amarrar o turbante, cerrar o punho e armar o sorriso. Porque consciência negra é coisa de preto. E preto é de luta, não de luto.