Há um mês houve em SP a segunda marcha das mulheres crespas. Acredito que a maioria das pessoas sabem que a marcha não é sobre cabelo, o fundo vai muito mais além de uma questão meramente estética. Realmente acho que isto é óbvio e não há necessidade de ser explicado.
Porém no mesmo dia da marcha, no Facebook me surpreendi (ou nem tanto), com uma enxurrada de comentários de pessoas realmente indignadas pelo fato de que exista uma marcha das crespas. Sinto informar que não eram 10 pessoas dizendo bobagens, eram centenas, e o mais incrível mesmo era a quantidade de curtidas que estes comentários tinham, quanto mais repugnante, maior a quantidade de curtidas.
A partir daí comecei a refletir de verdade sobre o tema cabelo crespo, mas desde uma ótica diferente: o cabelo crespo para a nossa sociedade. Qual o motivo de tanto incômodo?
Tenho a impressão de que a sociedade na qual vivemos, opressora e “branca” (partindo da base de que para mim nenhum brasileiro possa ser realmente branco), está assustada! Absolutamente todos os comentários de zombamento que eu li, e os que ouvimos constantemente por aí, além de denotar a ignorância normal que habita em muitos, me remete a algo muito mais claro: MEDO. Pois realmente é a primeira vez que eles estão vendo tantas mulheres negras do mundo todo caminhando no mesmo compasso do amor próprio, de uma forma linda e quase instintiva elas começaram a se olhar e a se admirar. Graças ao enorme esforço das nossas antepassadas, as novas gerações estão podendo parar pra se gostar e por tanto se defender. E isso gera pânico nos opressores, eles realmente não estão entendendo o que está acontecendo com o seu poder de manipulação, nem porque a sua antiquada e opressora frase “cabelo ruim” não está mais causando o efeito desejado. Há preocupaçao generalizada, acreditem!
Tenha em conta que a cada negro complexado e oprimido, menores são as chances de que ele cresça, de que se imponha e conquiste o espaço que é seu por direito. Agora, quando temos uma mulher, negra, empoderada, com a sua autoestima lá encima, ela se torna inevitávelmente poderosa e temo que isso não é o que desenharam para nós.
Recentemente vi uma entrevista da incrível nigeriana Chimamada Adichie, na qual ela comentava que se a Michelle Obama levasse o seu cabelo natural no período das eleições, o Barack Obama jamais teria se tornado presidente. Segundo a escritora, muitos brancos não teriam se sentido confortáveis em votar nele, pois a imagem da sua esposa lhes remeteria não só a uma mulher negra, mas a uma mulher negra brava, ativista, revolucionária, ao ressurgimento das panteras negras, quem sabe… Daí você para um segundo e pensa, será?
É provável que Chimamada tenha razão, o sistema da branquitude no qual estamos afogados, se conformou com o fato de que estamos aqui, mas daí a se conformar com que além de estarmos, nos sentimos orgulhosos de ser quem somos, isso já é demais para o branco mimado, é demais pra ele assumir que nós mulheres negras podemos levar o cabelo do jeito que quisermos (liso, crespo, trançado, raspado, azul), e que o nosso padrão de beleza já não é aquele que a televisão continua tentando enfiar na nossa cabeça.
Parece teoria de conspiração, mas no momento em que realmente isso acabar totalmente, as marcas brancas que não nos representam vão falir (pois finalmente teremos deixado de comprar), a indústria dos brinquedos irá por água abaixo (pois as nossas crianças terão deixado de escolher a boneca branca) e por aí vai, pois somos a maioria, não se esqueçam disso!