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terça-feira, 03 outubro 2023
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Será que algum dia artistas negros serão valorizados no Brasil?

Falar de cultura é sempre um grande tabu para um país que não reconhece a arte, principalmente aquela realizada pelos artistas negros

A arte tem essa concepção de ser um ramo incerto. Chegar para a sua família e dizer “Quero ser artista, viver da cultura e produzir” pode causar um grande impacto negativo, mas não é para menos. Um país que foi colonizado aos moldes europeus e com o tempo passou por governos conservadores, incluindo um bruto sistema ditatorial durante 20 anos, conquistou uma doutrinação quadrada, onde arte não tem espaço. Se é complicado valorizar esse setor, imagine a realidade dos artistas negros.

É claro que temos grandes nomes: Luiz Melodia, Dona Ivone Lara, Alcione, Machado de Assis, Carolina Maria de Jesus, Ingrid Silva, Tebas, Emicida, a nossa inesquecível Elza Soares, Ludmilla, Djonga, Tássia Reis e muito mais. Os mais conhecidos são músicos, mas o preconceito não dá sossego e nem a fama impede que os artistas sofram com as consequências do que significa ser preto no Brasil. Para chegar no “topo”, existe um caminho árduo que não melhora, apenas se camufla. A cantora Ludmilla teve seu cabelo comparado a uma palha de aço, por uma socialite que nunca produziu nada. Nada protege a pessoa preta do racismo.

Você enxerga homens negros para além de lugares de violência?

A questão é que os artistas independentes pretos, sendo atores, poetas, músicos, grafiteiros, pintores e escritores, estão sempre à margem. Muitos batalham apenas para a sobrevivência. Parte da classe média brasileira tem uma ideia racista sobre o que é cultura: o funk, por exemplo, é um ritmo marginalizado para a questão racial e social, mas se esquecem que foram os pretos que trouxeram a diversidade cultural para o país, com as danças, a capoeira, o samba, o carnaval e tantas outras manifestações.

“Baianas”, roda de conversa integrante do projeto Sou Encruzilhada, Sou Porta de Entrada. Sou Correnteza da Vida, Esquina Cortada: Ave Bixiga!, acontece dia 30

Achar que a cultura tem uma única forma é ser totalmente contra a arte. Após analisar 162 definições do assunto, os antropólogos A.L. Kroeber e Clyde Kluckhohn concluíram que não seria possível uma definição de cultura que contentaria a maioria dos antropólogos – cultura também pode ser um sentimento.

Todo o seu significado seria mais expansivoincluindo aspectos materiaisimateriaiscomportamentais e a própria noção de espaço e tempo.

Antropólogos: A.L. Kroeber e Clyde Kluckhohn

Elza Soares, a mulher que caminhava junto com o tempo, vive para sempre

Como é o cenário dos artistas negros no Brasil?

Se parte da sociedade tem uma visão distorcida da arte, como será que os artistas negros atuam nesse contexto. Já citamos alguns exemplos, mas eles são pequenos comparados aos que fazem a arte de rua, os corres independentes e ainda tentam alavancar outras pessoas junto com eles.

O ator Jair Moreira, da cidade de São Vicente, litoral de São Paulo, acredita que a cultura sofreu um baque incalculável neste período pandêmico.

A gente viu o retrocesso durante a pandemia. O que é muito triste, então assistir isso depois de tanta luta de amigos meus que viveram na ditadura e sobreviveram para ver esse processo de não valorização, em todos os sentidos… A arte transforma a maioria dos momentos, é o ponto de partida para muitas coisas, para não dizer todas.”

O ator Jair Moreira fala sobre a realidade dos artistas negros no cenário pandêmico
O ator Jair Moreira fala sobre a realidade dos artistas negros no cenário pandêmico | Foto: Arquivo Pessoal

Para sobreviver em tais adversidades, é preciso muita motivação e garra. Jair resolveu criar na pandemia uma plataforma, que hoje cresceu consideravelmente (@equipeplataformajm). Apto a fazer personagens bem humorados, o ator, que veio do Teatro Escola, continua levando o que há de mais preciso para as pessoas, a arte e o sorriso.

O que mais me motivou são aqueles que vieram antes de mim. Carrego comigo a frase: ‘nomear é fazer existir’ e a palavra ‘reconhecimento’. Necessito reconhecer os que vieram antes e nomeá-los pela luta, pois só existo, a minha arte junto com o meu poder de fala, graças a eles. É por isso que eu vou para cima, por consideração, responsabilidade para seguir pelo o que eles lutaram tanto há tempos. Isso me motiva a transformar o próximo.

Para o escritor Plínio Camillo, a valorização da arte é um movimento em construção. “Está sendo um trabalho árduo, contínuo e sempre necessitando da nossa atenção e empenho. A valorização que merecemos não será dada, será conquistada. Em cada pedaço, em cada aplauso, em cada leitura em cada audição.

Escritor Plínio Camillo relata como é fazer parte da categoria de artistas negros no Brasil
Escritor Plínio Camillo relata como é fazer parte da categoria de artistas negros no Brasil | Foto: Arquivo pessoal

Essa luta constante é muita evidenciada quando se fala sobre os artistas negros do Brasil.

Temos que estudar muito, atuar muito mais, falar e comentar. Escurecer todas e todos o máximo possível e em todos os tempos. Hoje tem pouco… Pois sempre que gritamos, pensam que cada artista negro ou cada preto artista é o primeiro. Com aquele olhar de ‘Não sabia que vocês faziam isso!’. Temos que fazer gritando que pretos e negros somos. Temos que atuar agradecendo quem veio antes, pretas e negras que nos geraram e escrever mirando as pretas e negros que virão.”

Pretos Em Contos lança o seu volume 2

Mesmo estando em 2022, a grande dificuldade é apresentar para a sociedade que os artistas negros também existem, mostrar a força e versatilidade de cada um. Com os recursos que tem, o escritor continua a propagar sua arte com o oficina Notas de Escurecimento, inclusive já lançou duas antologias: Pretos em Contos Volume 1 e 2. O site oficial conta com todas as informações, as inscrições da oficina são feitas pelo link.

Plínio Camillo criou a oficina Notas de Escurecimento para dar oportunidades aos artistas negro
Plínio Camillo criou a oficina Notas de Escurecimento para dar oportunidades aos artistas negros | Foto: Flyer de divulgação

Tanto Plínio como Jair continuam contando histórias, fazendo arte, vivendo e sobrevivendo também. A vontade de deixar um legado e tocar no coração das pessoas é maior que o peso de estar em um lugar que não valoriza a cultura, sobretudo a dos artistas negros. Enquanto houver histórias para serem lidas, contadas e interpretadas, haverá arte.

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