O teatro continua sendo a mais pura expressão e as gerações de artistas estão criando um espaço com mais diversidade, mesmo nas adversidades.
A arte é uma resistência e uma liberdade. Como a pandemia afetou a classe, os atores de teatro estão tentando inovar para manter a cena acontecendo – pois para muitos, estar no palco é sinônimo de estar vivo. E mais uma vez, para os negros a conquista de estar presente no meio artístico é um ato político. A atriz, diretora cultural e afroempreendedora, Miriam Vieira conta um pouco sobre a sua atuação na Baixada Santista, sua carreira teve início muito cedo, ainda na escola e depois na igreja, localizada na Vila Fátima em São Vicente.
Miriam relata que por um tempo a questão racial não era pautada dentro do teatro, mas ela sempre se reconheceu como mulher ocupante daquele espaço. ” Nunca foi discutido a questão de pretos e pretas, porque a gente fazia teatro com quem queria fazer teatro, mas eu sempre me percebi nesse lugar de preta.” Foi só na década de 80 que começou a aparecer alguns trabalhos mais voltados para essa temática, porém quando a artista começou a dar aula no Projeto Carlito, iniciativa que buscava incentivar a arte para jovens da periferia, percebeu que seus alunos eram na maioria negros e foi aí que surgiu a oportunidade de se trabalhar a mais a fundo essa questão.
Para Miriam, a arte age como forma de combate e de questionamento. “Isso era racismo estrutural, dentro do nosso próprio ambiente de trabalho, que existe muito em função de como você é tratado. E percebe-se também, com dados do IBGE de 2017, 2018, que no campo artístico as mulheres ganham menos que os homens – quase que 60% e as mulheres pretas ganham menos que as brancas. Então dentro desse aspecto a gente sempre se pronunciou.” Atualmente ela coordena a Companhia Cena Preta, formada apenas por mulheres pretas, além de ter participado do Projeto Manufatura de Monólogos, realizado pelo Sesc Santos, com a peça sobre o primeiro palhaço negro do Brasil, Benjamin de Oliveira, interpretado pelo ator Jair Moreira, com a dramaturgia de Ronaldo Fernandes, Kevelin Salvador, Hugo Henrique e Emanuella Alves.
Além de debater o racismo com a arte, a atriz revela a necessidade de ter uma conexão com ancestralidade. “Quase todas as formas artísticas nascem na África. Discutir o nosso lugar, preservar a nossa ancestralidade, a nossa oralidade, preservar a nossa memória. Eu tenho 45 anos de carreira, sou uma mulher preta de teatro. Sei o meu lugar, sei de onde eu vim e para onde eu vou também quando tudo isso passar.”
Matheus Arruda, é um jovem ator de 21 anos, que se envolveu com as artes por meio da Encenação da Fundação da Vila de São Vicente, onde teve a oportunidade de se reencontrar novamente com a sua grande paixão, o teatro. “… Eram ensaios bem intensos. Eu fui do núcleo dos coringas. Os coringas ficam contando de forma expressiva o que está acontecendo, e foi ali que eu conheci as pessoas da área da cultura.” Depois dessa experiência, ele ingressou em um curso de teatro da cidade e teve certeza do que queria fazer para vida toda.
“Foi muita coisa que o teatro me ajudou, tanto de me libertar, de magoas, de traumas, de pensamento ruins, da sexualidade. Quando eu fui para o teatro eu pude ser quem eu sou, todo dia eu venho aprendendo ser e se livrar do que as pessoas pensam, fazer o que eu tenho vontade, de me expressar;” declara o artista. Matheus estava participando do grupo Tartufos, muito reconhecido na Baixada Santista, com peças apresentadas em escolas que debatem temas atuais e importantes. Como o projeto está parado devido à pandemia, algumas movimentações estão sendo feitas de forma online para garantir subsídio para os artistas. Jair Moreira, outro nome do teatro negro da baixada, está se reinventando com um canal no YouTube.
As gerações do teatro se encontram no sonho de continuar fazendo arte como forma de sobrevivência, resistência e expressão. O Projeto de Lei (PL) 253, é um manifesto pela cultura que está batalhando para conseguir um auxílio para os artistas e para os espaços culturais. Agora, mais do nunca, é preciso apoiar quem faz arte, afinal ela se tornou mais que uma companhia em meio a tanto caos.