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terça-feira, 03 outubro 2023
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TEDxSÃOPAULO: Evento épico teve mulheres negras inspiradoras como protagonistas

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O último sábado, dia 23 de julho de 2016, vai ficar marcado na vida de muita gente. Tinha tudo para ser um sábado de Sol qualquer. Dia de descanso para uns; dia de trabalho para outros; dia de corridinha no parque do Ibirapuera, principalmente para os moradores da região dos Jardins, próximo ao parque.

Alguns desses moradores da região dos Jardins, sobem a Avenida Brigadeiro Luis Antonio com suas brilhantes peles brancas de quem foi criado no ar condicionado do apartamento, cobertas pelos artigos da Nike ou Adidas e os pés calçados por tênis coloridos de corrida da Asics que custam R$ 1000,00, fazendo cooper em direção ao parque. Outros estão a bordo de suas SUV’s Land Rover brancas em direção aos badalados points da Avenida Paulista, Rua Frei Caneca ou Oscar Freire para as compras cotidianas de finais de semana ou passeios culturais leite com pera de sempre.

Na mesma região está encravado um dos mais luxuosos espaços de São Paulo: o Hotel Unique no número 4700 da Brigadeiro Luis Antonio. No hotel, apesar do entra e sai de hóspedes endinheirados de sempre, e apesar de ainda não estar no horário de movimentação no tradicional, jaz o badalado restaurante localizado na cobertura do hotel Unique.

“O Skye possui uma piscina avermelhada e um fabuloso lounge com vista panorâmica para o Parque do Ibirapuera e todo o horizonte de São Paulo. No Skye, os maravilhosos sabores apresentados pelo Chef Emmanuel Bassoleil, a exuberância visual e o serviço único despertam todos os sentidos dos visitantes. Convidamos você a descobrir este espaço único”, como o espaço é definido no site do Unique.

Eles prometem experiências únicas aos visitantes e eu garanto que realmente se trata de algo muito bom, pois já tive a saborosa oportunidade de conhecer a comida do local em outras ocasiões. Confesso que tive um pequeno abalo em minha saúde financeira ao longo do mês quando me “atrevi” a estar no local, mas as ocasiões careciam de algo realmente especial, diferente das maravilhosas e baratas esfihas do Habib’s.




Pois bem, agora que vocês já estão devidamente ambientados e apresentados ao luxuoso local, voltemos ao ponto onde falaríamos que o dia de todos que trabalham ou frequentam o hotel seria um pouco diferente. Pra mim, o dia já começou diferente ao ter de acordar um pouco mais cedo que o habitual aos sábados, mas o motivo para esse dia ser uma exceção era nobre. Seguiu diferente ao tentar estacionar meu carro na rua ao lado do hotel, mas em frente ao salão de cabeleireiro “Jassa”, frequentado por Silvio Santos, Gugu e outros tantos célebres comunicadores e artistas endinheirados, o que não é o meu caso. O manobrista do Jassa (desses valets que cobram para deixar os carros na rua) me abordou quando saí do meu carro, (pasmem) uma SUV, tão preta quanto eu (por que não), dizendo que eu não poderia estacionar ali. Ué, mas eu mal saí do carro, pensei. O que o faz pensar que não vou ao Jassa? Lá eles não passam máquina zero em cabeça preta? O rapaz ficou indignado quando eu afirmei que deixaria o carro ali, sim, já que estava na rua e a maldita rua ainda é pública.

Ele tentou me convencer que tinha mais direitos ou uma autorização, sabe Deus de quem, para explorar a rua, mas foi em vão. Peguei minhas tralhas e segui para o hotel, prometi uma caixinha na volta (até aparece, eu sabia que o salão estaria fechado a noite). Ao chegar no interior do espaço, percebi que o dia não tinha começado diferente só pra mim ou para o manobrista do Jassa. Já na recepção me deparei com um batalhão de mulheres negras lindas, responsáveis pelo credenciamento da galera, e mais abaixo outras tantas que andavam nervosamente de um lado para outro.

Notei, mais uma vez, que o dia realmente não estava diferente só para mim, e para os manobristas do Jassa, essas mulheres não estavam nervosas por acaso, eram as 18 mulheres selecionadas para serem palestrantes no conceituado evento TED que aconteceria naquele auditório e outras tantas que trabalhavam como voluntárias do evento.

Eu nunca havia ido a um TED, portanto, não sabia o que me esperava, mas ali eu já comecei a ter uma pequena amostra. Muitas e muitas caras pretas conhecidas estavam florindo o lugar, voluntárias que se dispuseram, assim como eu, a ceder algumas horas do seu dia para se tornar parte de algo muito especial que estava para acontecer. Umas dessas caras pretas era a da consulesa da França, Alexandra Loras, que, apesar de ser a idealizadora do evento em parceria com a curadora e empreendedora social Elena Crescia, estava vestida também como voluntária, dando mais atenção à recepção e o bem-estar dos convidados do que ao marido e ao filho, que também estavam presentes.

Muitas comidinhas e bebidinhas à vontade, cedidas pelos patrocinadores do evento, movimentação aumentando, cada vez mais pretos chegando e o lugar ficando cada vez mais “escuro”. Pensei em uma frase muito usada por uma das palestrantes do evento, Monique Evelle: “se a coisa tá preta, é porque a coisa está boa”. E estava mesmo!!

JJ2A0068Muita resenha, sorrisos, encontros e reencontros, trocas de cartões (networking é importante), mais comida, cerveja alemã, smoothies deliciosos, mais pretos chegando, fotos e cliques. Uns fazendo Snapchats, outros no live do Facebook, YouTubers combinando um vídeo pra mais tarde, a gargalhada inconfundível da Gabi Oliveira ecoando pelo salão (algumas vezes), e outras meninas dizendo que iriam no show da Aláfia depois do evento, enquanto Ana Paula Xongani desfilava seu modelito colorido.

Em um canto o ator Érico Brás falando ao telefone, em outro a jornalista Valéria Almeida, do profissão repórter da TV Globo, fazendo fotos com a família. Descendo pela escada rolante Sueli Carneiro do Geledés, com seu olhar sereno e acolhedor de sempre, enquanto a atriz Lena Roque fazia uma selfie com a também atriz Érica Ribeiro no banner do evento. Do nada dou de cara com a linda e querida Thais Ramos do “Se Não Me Vejo Não Compro” que procurava por banheiro e eu ainda não a conhecia pessoalmente, apesar de já termos compartilhado conteúdos. Somos pretos Hi-tech, queridos! E por falar em Hi-tech, nesse mesmo momento, saindo do balcão onde estavam dando brindes e kits do TED, estava meu querido Junião, criador da nossa dona Isaura e integrante do coletivo Senzala Hi-tech, acompanhado de sua bela esposa, aproveitamos para trocar aquela agradável ideia de sempre.

Alguém, acho que a Lena Roque, veio falar comigo e comentou que o segurança da entrada do hotel perguntou a ela, curioso, o que estava acontecendo dois andares abaixo. Ele, ainda sem entender, queria saber por que estava entrando tanta mulher “morena” no lugar. Depois de rirmos deliciosamente, comentei que o cara só poderia ser louco. Perguntar para uma atriz negra, militante, em um lugar cheio de mulheres negras, o porquê de tanta mulher “morena”?! Quer apanhar, vagabundo?! O problema não é perguntar o motivo, já que, infelizmente, é compreensível o estranhamento, mas MORENA NÃO!!!!

Muita informação pra minha cabecinha, resolvi voltar à sala de imprensa para comer (mais) as deliciosas fogazzas de calabresa que estavam a nossa disposição de grátis. E de grátis a gente não recusa nem lanche grego da Avenida São João, defumado em fumaça de ônibus.
Mas, não houve descanso (e eu nem queria mesmo), a minha situação piorou bastante (no bom sentido), pois a sala de imprensa dava acesso ao camarim e à maquiagem das palestrantes do TED. Em um canto Eliane Dias, advogada, empresária, esposa de Mano Brown, “roubava” energia para carregar o celular enquanto via mensagens. Ângela Peres (parecia ainda maior) sai da sala de maquiagem e vem ao meu encontro, visivelmente nervosa e concentrada, me cumprimenta e oferece o cabelo para beijar. Sim, o cabelo, eu não poderia encostar em seu rosto, pois a maquiagem estava fresquinha e de maneira alguma poderia ser comprometida, o que também é compreensível.

Enquanto saboreio minha fogazza de calabresa, ainda com o perfume de Ângela Peres em meu rosto, eis que entra pela porta, como se não houvesse amanhã, Kenia Dias, atriz e esposa do Érico Brás (que ainda estava ao telefone), como que flutuando e deixando um rastro de beleza no caminho, enquanto se dirigia até sala de maquiagem. Pensei comigo: “e ela ainda não está maquiada?”.

Pois bem, pelo breve relato acima, vocês, assim como eu e o manobrista do Jassa, já devem ter percebido que algo especial estava acontecendo naquele lugar e eu não imaginava que era apenas um preparo do que estava por vir.

Lanche feito, câmera na mão e a organização do evento começou a direcionar as pessoas para o auditório onde o evento seria realizado.

Microfones, telões e câmeras ligadas e o que já parecia bom, ficou ainda melhor. Aos poucos o enorme auditório do Hotel Unique começou a ser tomando por um tsunami de gente linda, forte e poderosa, em sua maioria, pessoas negras em busca de conhecimento e ainda mais aprendizado.

O TED é um programa de eventos globais organizados de forma independente e o TEDx consiste em realizar eventos locais, que reúnem pessoas para compartilhar experiências. A proposta do TED é promover ideias que mereçam ser espalhadas e este TEDx São Paulo teve como objetivo apresentar mulheres negras como protagonistas. Foram 18 mulheres poderosas que passaram pelo palco do evento, dividido em três blocos com dois saborosos intervalos.

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Apresentando pela rapper Roberta Estrela D’Alva e a jornalista Adriana Couto, ambas da TV Cultura, 0 evento foi aberto pela maravilhosa cantora da banda Aláfia, agora também em carreira solo, Xênia França. Ainda com as cantoras Nina Oliveira, no meio dos blocos, e Yzalu, fechando o evento, mostrando ao público os motivos pelos quais apenas mulheres poderosas poderiam pisar naquele palco sagrado.

Entre os shows, o que se sucedeu foi uma enxurrada de histórias de vida, ideias, propostas e muito, muito poder apresentado pelas 18 palestrantes com suas histórias de vida inspiradoras e ideias para compartilhar, promover o debate sobre o papel da mulher negra na sociedade. Entre elas, estavam presentes Angela Peres, Daniele Gomes, Eliane Dias, Gláucia Costa, Kenia Maria, Lia Vainer Schucman, Mariana Barros, Marta Celestino, Mayara Silva de Souza, Mel Duarte, Monique Evelle, Mylene Ramos, Nadja Pereira, Nátaly Neri, Patricia Santos de Jesus, Stephanie Ribeiro, Viviane Duarte e Yzalu.

Relatos emocionantes, palmas e mais palmas, gritos de “MARAVILHOSA”, lágrimas, suspiros e falas extremamente “empoderadoras” e motivacionais fizeram com que as 6h de depoimentos passassem voando e deixassem um gostinho de quero mais. Muito mais!

Sei que esse evento foi muito marcante para todas as mulheres que passaram por aquele palco. Mas acho que elas não imaginam o estrago (no bom sentido) que fizeram nas vidas das mais de 300 pessoas que estavam ali sentadas, ouvindo e assistindo. Homens, como eu, que tiveram como único recurso, se recolherem à sua insignificância, diante de tanta força, garra, coragem resiliência e poder. Mulheres fortes e guerreiras, assim como dona Iracema, minha mãe, também era.

Tive de me concentrar, ou não teria feito foto alguma, já que não sabia se fotografava ou assistia. Sim, porque a mensagem era também para nós, homens. Os poucos homens que estavam na plateia foram contemplados com ensinamentos que levarão para toda a vida, pois as falas não passavam apenas por temas raciais, mas também pelo universo feminino. Muito se falou sobre o que é ser mulher negra nessa sociedade medíocre.

Jurei (pra mim mesmo) que não escreveria textão, mas não consegui me conter, como vocês podem perceber, porque precisava compartilhar com todos uma das melhores experiências que tive em minha vida. Cheguei todo alinhado, bonito e perfumado, pensando apenas em tirar boas fotos, e assim que a primeira fala começou eu já estava rolando pelo chão em busca do melhor ângulo, além de correr de um lado para outro, suando minha pele negra de homem sis hétero que não sabe de porra nenhuma.

Com muita força, e apenas com o microfone em mãos, as mulheres que passaram por aquele palco sagrado fizeram com que eu e os outros homens privilegiados, que estavam presentes, nos colocássemos em nossos devidos lugares, literalmente aos seus pés.

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Ao ser peguntada sobre a necessidade e importância de realizar um evento como esse, a consulesa da França Alexandra Loras falou o seguinte:

“Eu respondi a um convite de Hotel Unique para organizar um evento pra destacar 20 mulheres negras pra elas subirem no palco. Então, idealizei organizar um TEDx com a curadoria da Elena Crescia que produziu o evento comigo. E foi um evento muito inspirador, muito fortalecedor, porque elas subiram no palco, não para falar de racismo, mas espalhar ideias que precisam ser espalhadas, então tivemos uma juíza negra, advogadas negras, médicas negras que tiveram oportunidade de falar de ideias que merecem ser espalhadas pra mudar nossa maneira de enxergar a mulher negra, que, muitas vezes, tem uma simbologia, uma narrativa na mídia muito no sentido de empregada doméstica.

E muitas poucas vezes temos líderes negras protagonistas, mulheres intelectuais, que têm uma oportunidade de se destacar midiaticamente. Então, com a parceria do Hotel Unique e da minha expertise sendo uma palestrante internacional, foi muito bom para eu dar luz para essas meninas nas quais eu acredito, nas quais eu tenho muito ligação e que elas possam elevar o debate sobre diversidade, sobre como reequilibrar.

Pra mim, é muito claro hoje que o branco de hoje não é responsável pelo que aconteceu ontem com a escravidão, como o alemão de hoje não é responsável pelo que aconteceu ontem com Hitler, mas somos todos responsáveis […] de reequilibrar o que vamos contar para as nossas crianças.

E verbalizar e idealizar outro tipo de sociedade, onde reequilibramos, através de dignidade e respeito, a mulher negra e ela poder sair dos estereótipos da Globeleza, dos estereótipos de samba, de estereótipos de carnaval e de ser assim uma mulher hipersexualizada […] ou num carrossel viciado de ser babá, faxineira ou a amante que destrói os casamentos dos ricos brancos.

Nós precisamos mesmo mostrar, nas novelas e nos desenhos animados, negras protagonistas em cargos de liderança. Precisamos ver governadora negra, juízas negras e não só em gotinhas num país que tem uma maioria negra, de 57% da população, deveríamos reequilibrar para que não seja só gotinhas de diversidade.”

Saiba mais sobre cada uma das participantes e sobre o conteúdo que cada uma abordou durante suas falas no TEDx, acessando o artigo da jornalista Silvia Nascimento no site Mundo Negro clicando AQUI.

Sem ter mais nada a dizer, só posso oferecer uma galeria de fotos que fiz enquanto rolava pelo chão. Me digam, não tive razão em apenas fotografar?

 



anderson jesus 008-okAnderson Jesus tem como primeira formação as artes cênicas e dramáticas. É formado também em Produção Audiovisual e Pós-Graduado em Cinema e Televisão, pela faculdade Belas Artes. Devido a dificuldade para trabalhar como ator, sendo preto e pobre no Brasil, decidiu que criaria seus próprios trabalhos. É criador e diretor da série de TV Desaparecidos do canal A&E, fundador e diretor da produtora Iracema Rosa Filmes e fundador do portal TNM.

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