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terça-feira, 09 janeiro 2024
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Olívia Araujo e a sina (dela e de todos) de fazer domésticas em novelas

Não querendo chover no molhado, mas, depois da publicação do ótimo Mauricio Stycer no Uol, resolvemos nos manifestar

 

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Olívia Araújo, é uma ótima, ótima, ótima atriz, indiscutivelmente. Porém, como afirmou o Stycer, e nós já estamos cansados de saber, não só Olívia, mas quase todas as atrizes e atores negros estão hoje na TV fazendo exatamente os mesmos papéis de sempre. Subalternos!

Na semana passada, zapeando na TV, que, apesar das opções dos canais pagos, ainda caímos na TV aberta de vez em quando para ver o que acontece por aqui, como era horário de novelas, acabei deixando. Conclusão: todos os negros na TV hoje estão fazendo personagens idiotas, empregados ou novamente escravos. Sinceramente eu não entendo essa obsessão que a TV tem por escravos; por, de tempos em tempos, alimentar essa sede que as pessoas têm em ver negros sendo chicoteados. A impressão que dá é que funciona como um fetiche. Quando queremos ver uma boa putaria, a gente vê um filme pornô, acessa o Xvideos, ou vai para a prática mesmo. Quando estamos com fome, vamos a um fastfood, ou para a cozinha, para o faça você mesmo. Agora, quando queremos ver seres humanos se fodendo, fazemos o que? Vemos novelas, óbvio.

Tenho a sensação de que um pai do Leblon se senta ao lado do filho na sala de sua cobertura e parte para a “aula de história” do garoto. “Olhe, filho, antigamente os nossos ancestrais eram tão poderosos que nós tínhamos outras pessoas que nos serviam. Se nos desobedecessem, poderíamos chicoteá-los. Bons tempos aqueles, filho. Hoje nem podemos chamar os caras de macacos sem sermos hostilizados. Vivemos tempos difíceis”. #foradilma

Voltando às novelas, como se não bastasse, observei duas novelas, seguidas, que trazem negros nessas condições.

“Velho Chico” começou com a corda toda. Apesar da ótima fotografia e primorosa direção de Luiz Fernando Carvalho, peca em agregar o velho estereótipo com suas mucamas e trabalhadores negros das fazendas de algodão, passando pelo dono do boteco, etc. A novela avançou 28 anos, e tudo continuou da mesma forma. Além de tentarem embranquecer Camila Pitanga (como se ela já não fosse o suficiente), todos os funcionários da fazenda do tal Saruê, são negros, e pasmem, quase escravos. Nos três períodos diferentes que a novela se passa, lá está a negrada em condição análoga à escravidão, apesar de nenhum dos períodos serem na época da escravidão, de fato. No dia que assisti, estavam todos dançando em volta da filha do “coroné”, todos embriagados pelo champanhe que o próprio Saruê os deu de presente (que bom coração). Os negros (escravos) bebiam o champanhe como se não houvesse amanhã. Como se estivessem acostumados apenas com cachaça e que aquilo era o sonhado néctar dos deuses, que só é permitido negros provarem quando os senhores brancos assim os permitem.

Nunca estive em uma senzala, mas tive uma espécie de déjà-vu; sabe quando você tem a sensação de já ter estado em um lugar. Apesar de a novela se passar nos dias de hoje, ela colocou os negros dançando, batucando, girando e se embebedando como em uma senzala. Como se não bastasse, o “coroné” surgiu e se indignou em ver aquela cena. Sua amada filha, dançando sensualmente em meio aos empregados que ele mesmo embriagou, inadmissível para ele.

Achei que já tinha visto o suficiente, mas acompanhei a novela por mais alguns dias para ver o que aconteceria nos próximos capítulos. Como diz um ditado (que não conheço o autor): nada é ruim o suficiente que não possa ser piorado. Eis que, em um outro dia, após as aberrações de “Velho Chico”, no mesmo dia começa “Liberdade, Liberdade”, e mais um monte de negros, dessa vez escravos de fato. Os mocinhos sempre os mesmos brancos bravos de sempre, fortes, guerreiros, “lindos”, salvadores da pátria e mártires. Os negros? Pobres diabos chicoteados, claro.

Se você acha que está ruim o suficiente, se enganou. Ainda vai piorar mais, pois, em maio entra no ar “Escrava Mãe”, pela Record. Uma verdadeira overdose de escravos, para o deleite dos bolsonaristas de plantão.

A desculpa do povo que cria essas aberrações é a mesma de sempre, liberdade poética ou contexto histórico, aproximação com a realidade ou até, pasmem, como forma de denunciar o racismo. Você denuncia o racismo colocando o negro, novamente, como um pobre diabo? What!?

Maravilha, sou a favor de tudo isso, liberdade, poética, contexto histórico e protesto. Mas será que eles não percebem que dessa forma estão apenas reforçando estereótipos e contribuindo para a continuação do racismo? Sim, eles sabem e é exatamente por isso que fazem.

Para os que nos chamam de vitimistas ou mimizentos, voltemos a querida Olivia Araújo.

Mauricio Stycer afirma que Olívia Araújo está vivendo pela enésima vez uma empregada na TV. Não mentiu.

Veja aqui

Atualmente, Olívia está vivendo a Divanilda, em “Liberdade, Liberdade”, a mucama da família dos pais de Xavier, um dos protagonistas da história. Além disso, nos oito ou dez capítulos que a novela teve, Olivia pouco falou. Afinal, mucama não fala!

No ano passado, Olívia Araújo apareceu como empregada em duas novelas, por duas emissoras diferentes. Ela foi Melodia em “I Love Paraisópolis” e foi também a Shirley em “Chiquititas” fazendo o papel de…empregada doméstica. Depois, a personagem até que mudou e ela virou uma espécie de secretária. Mas, como nada vem de graça, ela se tornou quase que uma perua, abusando dos figurinos espalhafatosos e estampas de tigres.

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Em 2012, ela já tinha feito a empregada Jurema em “Cheia de Charme”. Em “Gonzaga, de Pai Para Filho”, também foi empregada da família Gonzaga.

Olívia passou a ser conhecida, justamente como empregada no filme “Domésticas”, de Fernando Meirelles de 2001, e chegou até a ser premiada por esse papel.

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Enfim. A nossa reclamação é antiga, e não é Mister Brau quem vai fazer com que alguma coisa mude, pois atores negros para a TV só podem ser empregados, escravos ou músicos batedores de tambor com motivos e acessórios africanos. Ou seja, o bom e velho estereótipo continua, mesmo com o pouco protagonismo.

Outra coisa. Apesar de a TV, de maneira geral, estar com problemas para manter enormes elencos, muitos atores estão ganhando por obra, desse modo, pouquíssimos atores negros têm contratos longos. Olívia, assim como muitos outros, principalmente todos esses escravos que eles usam, só fazem aquele trabalho e somem. São obrigado a esperar por novas novelas de escravidão para que possam, novamente, trabalhar. Isso é de uma crueldade sem tamanho.

Recentemente, perdemos o ótimo ator Antonio Pompêo. Segundo dizem as boas e más línguas, Pompêo teve sua saúde comprometida, justamente, pelo desgosto por não conseguir trabalhar.

Sei de ótimos atores negros que estão a garimpar trabalho pelo Facebook e de outros que foram obrigados a mudarem de ramo.

O mesmo se repete no cinema e na publicidade. Quando agências divulgam trabalhos, elas são bem claras: “ator negro”. As vezes rola até uma paleta de cores. Só faltam seguir um Pantone.

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Outro dia, ouvi de uma agência de São Paulo que o trabalho que pedia negros não poderia ser pra mim, apesar de ter ido muito bem no teste, porque eu não era negro o suficiente. Disseram que, por ser “pardo”, seria difícil trabalhar como ator porque geralmente (nas poucas vezes), quando querem negros, precisam que seja do “último tom”. Eu, segundo eles, não sou negro nem branco, portanto, deveria seguir o conselho de mudar de profissão.

Qual é a dificuldade de fazer papéis para que PESSOAS possam interpretá-los???!!!!

Outra coisa que deixa claro que há sim, preconceito racial no audiovisual, é que, mesmo quando o personagem é um bandido, traficante, estuprador, pedófilo ou o próprio Satanás, se for o personagem principal, nem assim um negro pode fazer. Ou seja, negro só faz papel de “filho da puta”, mas isso quando o personagem não for o principal da trama.

Como exemplo, cito o personagem de Caio Blat no filme “Bróder” ou Caio Castro em “I Love Paraisópolis”.

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Ou seja, há muito o que mudar e mexer. A TV vive falando sobre preconceito racial, sobre o fato de o racismo ser uma desgraça e tal. Mas a própria TV não faz absolutamente nada para mudar esse quadro, além de levar uns pretos na Fátima Bernardes de vez em quando para falar sobre cabelo. Quando o assunto é fortalecer, mostrar, enriquecer, aí não pode. Nada é feito.

Quando aparece uma série só com personagens negros, tudo é muito carregado a começar pelo nome. “Sexo e as Negas”: mulheres batalhadoras e guerreiras, mas que têm como principal objetivo encontrar o seu homem. Claro, não antes de transar com a comunidade inteira. Afinal, uma coisa está diretamente ligada a outra.

Em “Liberdade, Liberdade”, o negrão que mais aparece é justamente o que está oferecendo seus dotes sexuais à personagem de Maitê Proença. Detalhe é que até já entrevistaram o cara, mas não para falar de seu “personagem”, mas sim para relatar como foi fazer uma cena de sexo com Maitê. Como se esse fosse o maior privilégio, o ápice de sua carreira. Agora, em seu currículo, poderá incluir: “Fiz sexo com Maitê Proença em algumas cenas”.

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Ou seja, mais um pouco do estereótipo sexual que não é exclusividade de mulheres negras.

Quero deixar claro que não estou criticando os atores que topam fazer esses papéis, pois, como ator, também faria simples e unicamente pela grana, temos contas a pagar. Porém é preciso que todos saibam que há um grande filho da puta que, em algum momento da história, inventou uma parada que se chama “perfil”. Ou seja, alguém imaginou que, para fazer papel de médico, engenheiro, advogado, jornalista ou família de comercial de margarina, deve-se ser uma pessoa branca. E tudo o que não presta: negro. Pronto, simples.

Encerro esse desabafo com uma frase da incrível Hattie McDaniel, primeira artista negra a ser indicada e receber um Oscar, que, no curso de sua carreira, apareceu em mais de 300 filmes, tendo seu nome incluído nos créditos de apenas 80 deles e, por conta dos preconceitos daquela época contra atrizes afro-americanas, passou muitos dos vinte anos de sua carreira interpretando empregadas. Ao ser questionada por ter aceito fazer papéis de empregada no cinema, McDaniel encerra com essa frase que serve muito bem para nós nos dias de hoje:

“Por que devo reclamar enquanto ganho 700 doláres por semana sendo uma empregada nas telas? Se não fosse uma nas telas, ganharia sete dólares por semana sendo uma empregada de verdade.”

Hattie McDaniel

 

A enorme diferença é que nos EUA algumas coisas já mudaram. Por aqui, quem sabe nos próximos 500 anos…

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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