No início desta semana, a modelo e empresária Yasmin Stevam participou do programa “Encontro com Fátima Bernardes” e, questionada sobre as dificuldades em ser contratada devido aos seus cabelos, contou uma experiência de quando ainda usava tranças no cabelo e não foi contratada, explicando ainda que isso se devia também pela cor de sua pele.
Não demorou muito para que memes, textos e comparações tomassem conta da internet. As produções tinham em comum a tentativa de consolidar o preconceito vivido pela modelo durante a busca pela vaga de emprego: defendiam que Yasmim se vitimizava e que empresas não são obrigadas a aceitar seu cabelo. Houve ainda quem distorceu toda a história, argumentando que, de fato, é impossível alguém trabalhar assim numa cozinha.
Pois bem, Yasmim é modelo e proprietária do Brechó Fundinho, um dos mais famosos brechós nas redes sociais. A mulher negra que estampou memes e mais memes precisou se manifestar em seu facebook na última quinta-feira (22), explicando que na época não usava cabelos como usa hoje e salientando que não foi ao programa à procura de emprego e sim para contar sua experiência.
Triste ter que justificar a exposição de uma vivência num programa que, felizmente, tem aberto portas à negritude para discussão de questões raciais, bem como tem dado espaço ao diálogo sobre mulheres, LGBT, periferias, juventudes, feminismo, empregabilidade. No entanto, apesar da frequente presença de negros e negras em uma produção da emissora mais influente do país, quanto tempo isso demorou a acontecer?
E agora que alcançamos esses espaços, numa constante disputa simbólica, somos questionados sobre os preconceitos que vivemos com base em “vitimismo”. Não há nada de errado com o cabelo de Yasmim. Nem o que ela usa agora, nem o que usava quando não conseguiu o emprego. O que tanto incomoda? O crespo? O volume? A resistência? Mulheres – e homens – têm cabelos tão compridos quanto o dela e exercem diferentes profissões, sem ser submetidos a qualquer questionamento.
E, se conforme alguns dos textões, Yasmim tivesse uma profissão que exige cabelos presos, como o de cozinheira, ela prenderia. Afinal, não é assim que funciona com os cabelos lisos? Cozinheiros são contratados e, durante a preparação do alimento, prendem seus cabelos e usam toucas. Ou as pessoas pensam que cabelos crespos e armados não podem ser presos? Saibam, podem.
O que não pode ser preso é o nosso orgulho. Nesse quesito, aprendemos a andar armados. E não é vitimismo: meu cabelo é menos comprido e menos armado que o de Yasmim e já perdi empregos por causa dele. Também já ouvi que era bom prender um pouquinho dos lados. Com turbante, ouvi que parecia uma toalha. Fui questionada se era possível pentear e como eu cuidava no meio de uma entrevista. E eu não sou cabeleireira para responder a essas perguntas. Nem tampouco buscava um emprego como cozinheira.
Portanto, antes dos memes e de escrever comentários como esse:
Eu amo boné, mas onde eu trabalho não pode usar! Vou fazer o que?
As aeromoças usam coques, você acha que elas queriam?
Médicos não podem cutilar as unhas, usar piercing, tatuagem, pelo fato do emprego, você acha que elas queriam isso?
O segurança da empresa que eu trabalho tem barba, mas nas normas da empresa, não pode e ele tirou!
No quartel não pode ser barbudo também e ter cabelo grande, e quem entra tem que obedecer as normas, mas muitos não queria isso. (…) Pra ter Estilo exótico, ou vc é rico ou você é famoso que vive da fama pro sustento, pois pra prestar serviço alheio (dependendo de qual for) vai ter que se encaixar em alguns padrões.
Entendam que cabelo não é boné. Que é possível fazer coque em cabelo crespo caso o emprego seja de aeromoça. Que cabelo não é piercing ou tatuagem. Cabelo é parte da nossa construção biológica. E o problema aqui nunca foi tamanho, porque principalmente as mulheres usam cabelo comprido em diferentes áreas – de médicas a cozinheiras. O problema aqui é ser crespo e ser armado – e ambas condições são características do fenótipo dos negros, diferente da barba que pode crescer em negros ou brancos. Portanto, a questão aqui é racismo, não vitimismo.
Nosso estilo não é exótico. Isso é parte do nosso corpo e nosso corpo não é exótico. Cansamos de atender aos padrões eurocêntricos. Respeitem os cabelos de Yasmim Stevam. Respeitem os meus cabelos. Respeitem os nossos cabelos. E, por pior que seja perdermos nossos empregos por aquilo que é biológico, saibam que em breve, nós seremos os chefes e daremos início a um novo padrão: a quebra de todos eles.
Por fim, já aproveito: nosso cabelo crespo não está na moda. Nosso cabelo é resistência!