Para o filósofo francês Deleuze, “por que escrever (estudar, investigar) algo que, para nós, não apresenta nenhuma afinidade, nenhuma apreciação, nenhum valor?”.
O que me traz a este texto e a pergunta: o que tem nos motivado?
Por Siméia Mello
Na minha relação em sala de aula, como aluna ou professora, percebo como estamos sempre mirando o fim, o momento em que finalizaremos nossa jornada escolar/acadêmica, o que me diz muito sobre onde estão as nossas motivações educacionais e, sinceramente, elas não parecem nem um pouco focadas no conhecimento.
Ou seja, não somos ensinados a apreciar a vista! Estamos tão focados no resultado, ou o processo é tão chato, ou tão fora da nossa realidade, que todo aquele esforço parece voltado pra uma única coisa: o fim!
Daí, vamos às aulas, nos sentamos; ouvimos o que os professores nos dizem; anotamos coisas que talvez caiam na prova; lemos (nem sempre) os textos e materiais propostos; discutimos alguns (às vezes); nos preparamos para a prova; e aguardamos ansiosamente o resultado final… E então, ufa! Mais uma etapa vencida!
Entramos em sala de aula esperando que todo o “conhecimento” que precisamos emane quase que divinamente de nossos professores! Passivos, em nosso próprio processo de aprendizagem, delegamos aos professores toda a responsabilidade em nos transmitir a informação necessária, que decoramos, para utilizá-la em prova…
Até o momento em que aquilo tudo finalmente fará “sentido” em forma de “canudo”, de um aceite social que nos autorizará a passar de fases, ou a atuar em determinadas áreas como pessoas aptas, pessoas que adquiriram ou acumularam certo conhecimento que agora pode ser aplicado, seja no que resolvermos atuar ou trabalhar.
Então, é isso! Fim! Ufa!
Obviamente, essa educação, desatrelada do saber, não é por acaso, e nós sabemos. Ela vem sendo pensada e constituída exatamente assim para servir a um sistema repressor e opressor! Ideologicamente, pois, acreditem, não existe educação desatrelada de ideologia – toda vez que a escola faz uma escolha, de conteúdo, ou de projeto pedagógico, essa escolha não é feita imparcialmente, muito pelo contrário –, essa educação vem sendo moldada e articulada com objetivos políticos muito bem estruturados, seja na constituição de uma educação exclusiva, para poucos, para a elite; seja na massificação do período da industrialização, em que a educação fragmentada se parece muito mais com uma linha de montagem, em que nada tem relação com nada, em que há a falta do todo; ou na escola como um reformatório do período militar, uma escola alienante, passiva, que desconsidera qualquer pensamento crítico, já que pensar é transgressor, foge a ordem!
E assim todo esse sistema educacional, exclusivista, fragmentado, disciplinador e sem sentido, tem podado nossa curiosidade, destituído nossa potência pelo conhecimento, pelo prazer do conhecer!
Mas e o que faremos? Continuaremos aceitando esse modelo de educação bancária, onde recebemos todas as informações necessárias de forma passiva e indiferentes ao nosso próprio processo de conhecimento? Aulas após aulas de conteúdos que não vemos nenhuma relação, fracionadas, incompletas…
Ora, não somos pedaços de coisas, somos um todo – complexos, mas ainda completos – que não podem ser pensados como pedaços, não somos olhos, boca, cérebro, braços! Somos um ser completo! E por que nosso processo de conhecimento tem sido feito dessa forma? Educação precisa ser pra vida!
Mas, não é o que vemos?!! Não é? Afinal, convenhamos que não estamos preparados nem para a vida, nem para o mundo profissional, já que, na hora de escrevermos um relatório ou de atendermos um paciente, temos dificuldades em captar toda aquela informação decorada e armazenada; seja para escrever o relatório, que, apesar de termos toda a informação técnica, nos falta conhecimento da língua que nos permita dizer o que queremos; seja no atendimento a um paciente, cuja nossa única preocupação está focada na doença, no diagnóstico, e não conseguimos enxergar o ser humano completo e complexo na nossa frente, que vai muito além do diagnóstico! Em outras palavras: não, a escola não tem nos formado nem para a vida pessoal, nem para a profissional!
Então, para o que ela tem servido?
E o conhecimento? Onde ele entra aí?
Conhecimento é mais do que armazenar informações, e sim como vamos utilizá-las, interpretá-las, analisá-las, e principalmente como partilharemos e nos relacionaremos com ela. E pra isso, é preciso que faça algum sentido pra nós, que nos mude, que não venha pronta, que não seja fechada, limitada e sem vida…
Afinal, nada na vida é certo, pronto, definitivo! Tudo é construído, desconstruído, reconstruído… passível de mudanças, de transformações…
Assim como o nosso conhecimento!
Portanto, acredito que precisamos ultrapassar essa educação compartimentada, precisamos fazer nossos próprios caminhos, responsabilizando-nos hoje pelo nosso conhecimento!
Sentemos e apreciemos a vista, porque ela é linda e, por si só, vale todo o esforço! Conhecimento é poder, mas quando ele é nosso! Quando ele está dentro de nós! Quando, feito cubo mágico, se encaixa perfeitamente para depois desencaixar e tirar tudo do lugar, trazendo o caos, e trazendo o novo, e de novo, e de novo… nos transformando, alterando nosso estado inicial!!
O que me remete a frase de Paulo Freire: “alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”.
Que encontremos toda a boniteza e a alegria do conhecimento e que este nos salve de uma vida de papagaios, repetidores de tudo o que já foi dito e feito por aí!
E quem sabe, aptos pelo conhecimento, consigamos enfim um modelo de educação que seja vivo, livre e alegre, como a vida deve ser?
Siméia Mello é negra e feminista. Mestra em Língua Portuguesa, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professora e revisora de texto. Está sempre discutindo educação, feminismo e racismo. É muito interessada nas lutas contra as opressões e sensível ao ser humano e as suas inúmeras questões.