Pharrell Williams não se limita: é cantor, compositor, rapper, produtor, estilista, empreendedor, já foi jurado no The Voice… E recentemente fez a curadoria da revista Time cujo tema de capa é “A Nova Revolução Americana”. Pharrel também escreveu um artigo, intitulado America’s Past and Present Are Racist. We Deserve a Black Future (O Passado e o Presente da América São Racistas. Nós Merecemos um Futuro Negro, em tradução livre) em que fala sobre o passado escravocrata dos Estados Unidos e sua expectativa sobre o futuro.
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Em 26 de abril de 1607, três navios carregando 105 homens e garotos desembarcavam na costa oriental do que viria a se chamar América. Eles se chamavam de “aventureiros”. Mas eles não tinham qualquer interesse pela liberdade ou pela justiça e eles não buscavam liberdade religiosa ou uma fuga da tirania. Eles eram parte da Companhia de Londres da Virginia, que era essencialmente uma startup financiada por capital privado que esperava lucrar para seus acionistas no esquema de fazer dinheiro de maior crescimento na Europa: o colonialismo.
Doze anos depois, um navio particular inglês de 160 toneladas de bandeira britânica desembarcou a quilômetros de distância. Aquele navio, o Leão Branco, carregava um produto que mudaria tudo que aqueles investidores iniciais pensaram que essa colônia poderia ser. A América se tornou uma super potência econômica porque a carga daquele navio abriu um mercado mais valioso do que aqueles colonos podiam imaginar. Aquele mercado de seres humanos, traficados da África.
Até 1860, a Virgina abrigaria aproximadamente 1 de cada 8 pessoas escravizadas na América. O valor total de bens humanos desse país tinha se tornado o maior ativo financeiro da América, valendo mais que suas estradas e fábricas juntas. O estado da Virgina, assim como outros estados do Sul, decidiu que preferia lutar o que continua sendo a guerra mais sangrenta da América do que encerrar a tortura, o assassinato e o mal descarado da escravidão.
Esse é o lugar que eu chamo de ‘casa’.
Muitos americanos presumem que as conversas recentes sobre o racismo sistêmico e a desigualdade são o resultado de um ‘momento de ajuste de contas’. Mas eu sei que essa conversa voltará para aqueles ‘20 e esquisitos negros’ – como o colono John Rolfe escreveu em uma carta – que se tornaram propriedade de investimento ao tocar as costas dessa franquia de propriedade e operação independente chamada América.
Este lugar austero e saliente da terra principal da América que deu à luz essa nação foi desde então chamado de Virginia. Deu à luz a mim também. Ser criado literalmente no útero da América e na origem da opressão desse país deixou uma impressão indelével em mim. Eu sou tanto uma promessa da América como um produto de seu vergonhoso passado.
A América foi fundada com um sonho de uma terra onde os homens eram criados iguais, que continha a promessa de liberdade e justiça para todos. Mas todos nunca quis dizer pessoas negras. Como a maioria dos americanos negros, eu entendo que ‘todos’ só existe nos óculos de realidade aumentada disponibilizados para os acionistas, donos do poder e aqueles sortudos o suficiente para entrar na oferta pública inicial. Mas os protestos em andamento por equidade e responsabilização que tomaram conta de cidades por toda a nação me fizeram sentir algo que eu só consigo descrever com uma palavra: americano.
O anseio desesperado por justiça econômica que gerou desconforto nas ruas de Minneapolis depois do assassinato de George Floyd me lembra do mesmo fogo que ardeu nas veias dos Filhos da Liberdade quando eles jogaram 342 caixas de chá no mar em Griffin’s Wharf. (Agora eles chamam o incidente de ‘A Festa do Chá de Boston” – que é uma forma poética de descrever uma manifestação.) Quando vejo pessoas derrubando monumentos de traidores separatistas que queriam começar sua própria nação supremacista branca, vejo patriotas agindo em favor deste país. Me lembram os protestantes que foram inspirados a derrubar a estátua do Rei George em 9 de julho de 1776 depois de ouvirem a carta de Thomas Jefferson mandando seu opressores chutarem pedras. Aqueles “bandidos” serviriam abaixo de George Washington na Revolução Americana. Mas a Declaração de Independência os dignifica: “Em todas as etapas destas opressões, pedimos por uma reparação nos termos mais humildes”, escreveram nossos fundadores. “Nossos repetidos pedidos só foram respondidos com repetidos prejuízos.”
No meio de tanto prejuízo, como começamos a sarar? Dado o legado inescapável deste país, eu começava a me perguntar se era possível convencer as pessoas de que – mesmo que não consigamos escapar – conseguimos superar nosso passado. Mas se, em algum momento, formos responsabilizar essa nação, devemos forçá-la a construir um futuro que ofereça as mesmas oportunidades de riqueza, prosperidade e sucesso que os aproveitadores privilegiados que construíram um império com nosso trabalho sem custos. Nós merecemos os juros arrecadados daqueles dólares confederados e o reembolso de nossos impostos dados aos nossos irmãos e irmãs brancos no Novo Acordo enquanto nossos irmãos eram postos nas linhas vermelhas. Queremos o retorno em nosso investimento de quando nossos impostos fundaram escolas que nossas crianças não podiam frequentar. Queremos liberdade e justiça reais não só para alguns americanos, mas para todos.
Então, ao montar esse projeto, questionei algumas das pessoas mais qualificadas que conheço em cada campo – de Angela Davis a Tyler, The Creator a representante Barbara Lee – para conversar conosco e entre si, sobre o caminho à frente. Eu quis transmitir uma visão de futuro repleto de artistas, criadores e empreendedores que podem cumprir a promessa dos princípios deste país.
Por mais de 400 anos, o único caminho para o Sonho Americano era um acesso restrito, uma estrada de propriedade privada. Americanos negros nunca foram livres para colher os frutos da recompensa da América, embora tenhamos sido forçados a fazer o trabalho de campo. Garantir que cada cidadão tenha a mesma oportunidade de prosperar e florescer – independente de classe, gênero e cor da pele – é um princípio tão patriótico quanto declarar “nenhuma taxação sem representação”. É a única forma de garantir vida, liberdade e a busca pela felicidade.
Os ativistas que sacudiram sacos de chá no oceano para protestar contra a injustiça econômica eram patriotas. Mas também eram opressores, não dispostos a estender as batalhas pelas quais lutaram para todos. Para fazer valer os ideais da América, precisamos confiar em uma visão negra do futuro.