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terça-feira, 03 outubro 2023
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Meu cabelo é o melhor de mim

(Foto: Reprodução)

Recentemente passei por um processo perverso de perda de cabelo por tração excessiva que fez com que eu descobrisse, depois de tantos anos, que meu cabelo é o melhor de mim. Anos de tranças, apliques e alisamentos fizeram com que meu couro cabeludo gritasse S.O.C.O.R.R.O!!! A gente vai fazendo alisamento, passa tinta, bota cabelo, alisa com guarnidina, cai no conto do vigário da beleza natural e esquece que somos mulheres e não um cabelo.

Nunca pensei que fosse necessário sentir tanta dor. Minha cabeça doeu muito depois que fiz as tranças. E eu sempre dizendo pra mim mesma que era capaz de aguentar aquela dor por mais um dia. Já tinha aguentado outras vezes, porque não aguentaria agora? Eu aguentei quando alisei o cabelo e meu coro cabeludo teve queimadura de primeiro grau, aguentei quando coloquei aplique pela primeira vez e tive uma coceira interminável que me deixou dois dias lavando o cabelo insistentemente na tentativa de aliviar aquele martírio, também aguentei todas as vezes que fiz escova e meu couro cabeludo estava tão delicado que parecia se arrancar da minha cabeça cada vez que a cabeleireira enfiava o pente em meus cabelos. Eu aguentei todas estas vezes por sempre acreditar que deveria ser forte. Eu tinha orgulho de ser uma guerreira. A vida é violenta comigo, mas eu aguento, sou forte. Cortei as tranças no momento em que descobri que não precisava ser toda essa fortaleza e que chorar e me reconhecer como humana seria uma maneira de não ser violenta comigo mesma.

Quando cortei o cabelo me senti livre do peso e da dor, mas descobri o quão colonizada era a minha visão de ser bonita. Pra mim, a minha beleza estava relacionada aos cachos que nunca tive. Me sentia bonita balanço ao vento cabelos que não eram meus e que me causavam dor física e mental. Está sendo mais difícil passar pelo período de aceitação de quem sou do que pela dor que senti quando fiz as tranças. Olhar no espelho e dizer que sou bonita com o cabelo crespo nunca esteve tão distante. Eu poderia ter colocado uma peruca, eu tenho perucas em casa. Mas eu sabia que ia continuar escondendo de mim o medo de ser eu numa sociedade onde mulheres bonitas tem cabelos lisos ou levemente ondulados, pele clara e nariz fino.

Aprendi quando criança que se eu quisesse ser considerada bonita era necessário embranquecer. Desde a infância, nós mulheres, somos bombardeadas com mensagens que dizem intrinsicamente que ser bonita é parte essencial de ser mulher. Uma mulher bonita recebe elogios, aprovação, flores, pedidos de namoro, bons empregos e tudo o mais. Só que o modelo de beleza que a humanidade construiu culturalmente e transformou em hegemônico só engloba um determinado grupo de mulheres e elas não se parecem comigo e nem ao menos desfilam um cabelo crespo.

Com isso, muitas de nós, e até mesmo uma comunidade inteira, cresce acreditando que não é bela e que precisa buscar esta beleza a qualquer custo para existir plenamente. Se submeter a um processo de mutilação capilar não é uma escolha para uma mulher negra. Se a gente não alisa o cabelo a gente não trabalha como gerente do banco, não é contratada como recepcionista, somos obrigadas a ouvir que nosso cabelo não é adequado às normas da empresa. Dizem que nosso cabelo não é higiênico e nos colocam de fora dos processos de desenvolvimento profissional. Tenho amigas que foram demitidas quando decidiram fazer uma transição do alisamento ao crespo e mulheres que ficaram carecas de tanto alisar.

Faz três meses que estou acompanhando o crescimento do meu cabelo crespo e tenho o prazer de, diariamente, descobrir o quanto ele é macio e gotoso de passar a mão. Meu cabelo não está mais escondido debaixo de um aplique ou em meio a tranças, meu cabelo está ao vento. Se amanhã eu decidir colocar peruca, não tem problema, eu já sei quem eu sou sem ela. E eu sou uma mulher que não tem mais medo de ser chamada de neguinha bombril. Não sentir este medo é um privilégio, a maioria das mulheres negras não podem fazer esta escolha, se é que isto é uma escolha. Por essas e outras que quando a gente diz pra não tocar em nosso cabelo a gente está querendo dizer que não toque em nossa alma, não danifique a nossa autoestima. Não toque no melhor de mim.

Seja como for os seus cabelos. Alisados, crespos, com tranças, alongamentos ou perucas. Nós nãos somos um cabelo, ele é apenas parte de nós. O cabelo não nos define, apenas nos embeleza. Esse texto não quer te convencer a deixar seus cabelos ao natural, é apenas um relato da minha história.

Respeitem meus cabelos, brancos.

Ao menor sinal de perda de cabelo por tração ou alisamento, não existe, procure um dermatologista. O atraso na procura do tratamento pode gerar calvície irreversível.

Ahhhh, essa sou eu e o meu cabelo carapinha, cabelo de rainha.

Fiz uma playlist de músicas que estou ouvindo pra enriquecer minha alma e fortalecer meu crespo.

Espero que goste!

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