Na última quarta-feira (24), DJ Rennan da Penha se entregou à Polícia na 37ª DP, depois de ser condenado em segunda instância pela Justiça do Rio de Janeiro a seis anos e oito meses de prisão por crime de associação ao tráfico de drogas. O idealizador do Baile da Gaiola ficou foragido desde o dia 18 de março, quando o mandado de prisão foi expedido.
A luta pelo reconhecimento do funk enquanto manifestação cultural sempre foi árdua. O conteúdo que remete às realidades das periferias brasileiras incomoda os ouvidos que nada escutam além da sinfonia de uma realidade bem menos cruel que a das margens. Nas quebradas, o funk é uma das mais legítimas intervenções políticas, sociais, geográficas e culturais.
O Baile da Gaiola é um dos mais famosos encontros de funk no Rio de Janeiro e o DJ Rennan da Penha, acusado de ser olheiro do tráfico de drogas e de fazer apologia ao crime, é um dos grandes responsáveis pela disseminação desse bailão, inclusive em espaços onde a intervenção militar atua diariamente.
Nas chamadas comunidades, como a maior parte dos moradores denomina, talvez por não saber que favela é flor, os carros do exército passam sem pedir licença. É assim que os representantes da segurança pública (e mesmo da privada) se comportam no Brasil, do Rio de Janeiro à Fortal, com armas em punho e derramando sangue. Diante dessa realidade, a população se organiza para avisar uns aos outros os momentos em que a violência chega. Isso não é ser olheiro: é tentar ser sobrevivente.
Em todo e qualquer tipo de comunicação, pressupõe-se a liberdade de expressão. DJ Rennan da Penha canta sua realidade e de mais milhões de brasileiros nos castelos de madeira, de tijolos sem reboco, de reboco sem azulejos. Há pouco tempo, brigavam pela liberdade de expressão de Danilo Gentili, humorista conhecido por seu comportamento racista, machista, lgbtfóbico e até um tanto fascista. Ao mesmo tempo, essas mesmas pessoas, em sua maioria, criminalizavam o DJ do Baile da Gaiola.
Em outros tempos, mas não tão diferentes deste em que vivemos, a capoeira, o samba e o rap foram criminalizados, inclusive sob o crime de vadiagem. O que essas manifestações culturais têm em comum é a origem: negra e marginalizada. A capoeira, luta mascarada de dança, salvou vidas. O samba, batuque repleto de histórias, salvou ancestralidade. O rap, narrador da realidade, salvou mentes. O funk, de passinho em passinho, salvou corpos.
As intervenções culturais periféricas não têm valor algum no Brasil. Sobretudo, porque transformam a vida de gente preta, pobre e periférica, tanto por suas referências históricas e populares, quanto por suas capacidades de ampliar possibilidades financeiras. Não é por acaso que a Ordem dos Advogados do Brasil questionou a prisão de Rennan e se preocupou com a forma como a Justiça lida com setores marginalizados da sociedade.
A prisão de DJ Rennan da Penha, assim como tantas outras, é política. É mais uma tentativa de calar quem deve ficar calado, sob a ótica dos setores que comandam a sociedade. É tirar de cena quem brilha e transforma histórias, inclusive a própria. É tentar tornar o funk de hoje, a capoeira, o samba, o rap de ontem. Mas esqueceram que, apesar de todas as tentativas, o berimbau continua dando o tom às rodas de capoeira formadas pelos pequenos corpos sendo salvos aos poucos; que o samba é ainda o som da alegria de quem pouco tem o que comemorar; que o rap é o disco de história de quem não teve livros. E a liberdade, virá também, para que a Gaiola volte a bailar ao som do que a representa.