O assunto liberdade capilar vem ganhando forças há algum tempo. Muitos podem associar o conceito à transição, mas vai um pouco mais além. O cabelo faz parte da expressão de identidade e, para muitas mulheres, é um dos tópicos mais importantes na construção da autoestima.
Com essa popularização, outras temas também conquistaram mais visibilidade, como por exemplo, o sucesso das laces. A praticidade de poder trocar de cabelo e se sentir mais confiante é um grande atrativo, mas a ideia não é de agora. Essa cultura se remete ao Egito Antigo, onde as mulheres negras usavam perucas como acessórios indispensáveis. Inclusive, a revista Elle fez uma matéria completa sobre o assunto, que você pode conferir aqui.
Atualmente, o que não falta é opção para expressar a liberdade capilar. A modelo pin-up Paula Renata afirma que seu cabelo é uma forma de resistência. “Entendo por liberdade capilar você pode fazer o que quiser seu cabelo. Pode trançar e até alisar, mas porque você quer e gosta e não pela sociedade toda falando que o seu cabelo deve ser desse jeito ou daquele outro. Vejo meninas que às vezes passam pela transição e voltam a alisar [o cabelo] e eu super entendo. Hoje amo usar o meu cabelo super volumoso e bem leão natural.“
A imposição estética é um problema muito grande. Quando falamos em transição, também é preciso entender que cada cabelo tem suas particularidades. A ideia do cacho ideal pode frustrar e cair em um novo padrão. Por isso, Paula se orgulha do seu cabelo natural, sem definição e representando sua identidade.
“Nem sempre foi assim. Quando era mais nova, não gostava do fato dele ser volumoso e com muito frizz, queria aqueles cachos “perfeitos”. Não quis alisar meu cabelo, mas já fiz permanente em 2014, logo senti que estava faltando algo, e era o volume, finalmente acabei gostando e começou a aparecer mais mulheres com cabelo volumoso. Então, foi assim só amor, quanto mais volumoso melhor, é um símbolo de luta. Hoje em dia, não ligo para definição, uso o pente garfo nele todo e amo essa estética do Black Power.”
Essa confiança que a modelo atingiu foi extremamente necessária em sua carreira. Por fazer parte do estilo Pin Up, uma cena majoritariamente branca, ela teve que se fazer presente por inteiro. No começo da sua graduação em Moda, foi indicada para ser fotografada em alguns trabalhos acadêmicos da turma e assim se encontrou.
“No começo, foi meio agridoce, é bem difícil perceber que só as mulheres brancas eram chamadas para tirar as fotografias. Em 2010, quando entrei na cena de fato, não ligava tanto porque não tinha ainda uma consciência racial, mas com o tempo foi me incomodando. Só em 2012 que achei uma página no Facebook com modelos Pin Up pretas, com o tempo fui encontrando outras mulheres negras e fomos nos unindo, para não ser sempre a única naquele espaço. Foi uma reviravolta na minha vida porque realmente estava pensando em desistir do estilo.”
Atualmente, Paula já soma mais de dez mil seguidores no Instagram (@missblackdivine), com muitas referências sobre ser uma modelo preta de um estilo que por muito tempo foi relacionado apenas a pessoas brancas. A página Pin Ups Pretas Brasileiras é também uma fonte de inspiração, que exalta a singularidade de cada uma e incentiva a beleza como forma de se sentir bem e confortável consigo mesma.
O poder do cabelo trançado
Não podíamos deixar de falar das tranças. A prática remete à ancestralidade, por alguns é considerada uma forma de socialização, afinal, pode demorar horas para ficar pronta e, nesse tempo, a conversa e trocas são indispensáveis.
Afirma-se que essa técnica começou a partir de 3.500 a.C, na região da Namíbia, no continente africano. Para alguns povos, as tranças tinham a função de identificação. Certos padrões indicavam povo, idade, estado civil, riqueza, poder e religião de uma pessoa. A Harper’s Bazaar já produziu uma reportagem mais completa sobre o assunto: TRANÇAS: HISTÓRIA, RESISTÊNCIA E ESTILO.
Para entender mais, conversamos com a trancista Leticia Maximiana de Jesus Santos, do Ateliê Criola AfroHair, de Santos. Seu envolvimento com as tranças começou em casa mesmo, foi tarefa passada de mãe para filha. “Trabalho com aplicação de tranças há quase 6 anos. Aprendi com a minha mãe e percebi que tinha habilidade, agora se tornou a minha renda.”
As técnicas são variadas, tudo depende do pedido da cliente e das referências, porém Letícia afirma que existe uma queridinha, que se tornou a mais pedida. “Box Braids são a mais populares, desde que a gente começou.” E não é para menos, elas realmente são lindas e esse estilo conquistou muitas garotas, fazendo sucesso até com as influencers de beleza.
As tranças são mais que um acessório ou apenas um capricho estético, elas são muito utilizadas na transição capilar e quem passou entende que é um período de resiliência, por isso ter algo que vá melhorar a autoestima e incentivar o crescimento do cabelo natural é fundamental.
“Sempre me emociono com o feedback porque vejo que faz muita diferença na vida das meninas. Muitas das minhas clientes vieram como uma forma de aceitar o próprio cabelo e através das tranças elas tiveram uma escolha. Uma chance para dar espaço para o cabelo natural e se enxergar bonita.“
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As mudanças radicais podem fazer bem
Como já apresentamos, Paula é uma modelo que não tem medo de chamar a atenção e isso reflete no seu cabelo. Recentemente, ela inovou pintando toda a extensão capilar de ruivo alaranjado. O processo foi muito especial por ser um desejo de muitos anos.
“Me deu até um pouco de ansiedade porque eu sempre quis ter o cabelo ruivo, desde a minha adolescência. Mas naquela época os profissionais de beleza diziam que esse tom de laranja mais vivo não combinava com a pele negra. Quando terminei, achei o resultado maravilhoso, estou me sentindo muito realizada e maravilhosa.“
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O importante é se sentir assim: livre, linda, maravilhosa e poderosa. Fazer apenas o que deseja com o cabelo, sem pressão. A liberdade capilar é um passo muito necessário para as mulheres negras e deve ser exaltada.