Cria da Parada de Lucas, zona norte do Rio, e com mais de 10 anos de carreira, Juju Rude é uma voz crítica do sistema social. A rapper aborda em seus trabalhos muitos problemas que afetam a sua realidade e a dos moradores da favela em que vive. Em dezembro, por exemplo, ela lançou o clipe de “Inimiga do Estado”, música que traz uma forte crítica ao extermínio de moradores das comunidades cariocas, vítimas dos confrontos entre o poder público e as facções.
Além do clipe, Juju planeja lançar ainda neste semestre o seu novo EP que levará o mesmo nome do single. O TNM conversou com a artista para saber mais detalhes sobre a música e sobre os novos projetos da rapper para 2020. Confira os principais trechos da entrevista:
TNM: Em suas canções você aborda temas como feminismo favelado e o cotidiano do morador da favela. Como surgiu a ideia de lançar o single “Inimiga do Estado”?
Juju: Eu me inspiro muito no funk, principalmente no “proibidão”, e tem muitos que citam nomes de amigos que morreram nessa guerra entre facções e a polícia. É um assunto muito recorrente no nosso dia a dia falar sobre os amigos que se foram. Além disso, com esse governo que está aí no Brasil, no Rio de Janeiro, sentimos que os confrontos aumentaram muito mais e que a gente tá perdendo mais pessoas. Cada dia, mais pessoas são assassinadas. Então, tive vontade de fazer esse som para homenagear todo mundo que sofre (com esse problema) e falar um pouco do nosso cotidiano. O luto, infelizmente, faz parte do nosso dia a dia.
TNM: Como foi o processo de criação dessa música?
Juju: O processo envolveu questões da nossa realidade mesmo. Eu resolvi fazer esse trabalho junto com Fábio Broa que, além de ser meu amigo, é o produtor do EP que leva o mesmo nome do single. Quando a gente estava fazendo o bit e gravando, ele deu a ideia de procurarmos uma voz, uma fala que fosse bem marcante de uma mãe que perdeu o filho, por exemplo. O Broa me mostrou o discurso da mãe de um menino que foi assassinado com a camisa da escola no Complexo da Maré, uma favela do Rio de Janeiro. Na fala, que está no meio da música, ela diz que agora, pelo ocorrido, ela virou uma inimiga do Estado. Isso me tocou muito e me deixou com a visão bem ampla sobre todo o conceito do EP que eu gostaria de levar.
TNM: As pessoas das comunidades são tidas como inimigas do Estado? Por quê?
Juju: Bem, desde o tempo em que houve a Abolição e toda essa mentira, essa farsa de que a escravidão acabou, nós somos inimigos, né? Seja da corte, seja do Estado ou de qualquer autoridade que não goste da nossa presença. Nos aglomeraram, nos fizeram morar em favelas, criaram as favelas pelo fato de não sermos bem-vindos dentro da sociedade comum. Os jornais e todas as estatísticas provam o quanto eles querem nos exterminar, o quanto eles querem nos excluir.
TNM: No clipe, vemos roupas estendidas no varal com rostos de pessoas que já morreram, frases de luto, datas de nascimento e de morte de pessoas e uma camisa preta com a foto do Malcolm X armado. É guerra? Estamos em uma guerra?
Juju: Essa ideia do varal e as roupas com os rostos das vítimas foi uma ideia minha. Essa é uma cultura muito forte no Rio de Janeiro, dentro da favela. Sempre que morre alguém a galera se reúne para fazer essas camisas em homenagem. O Malcolm X dá um significado muito forte a mensagem que eu quero passar. Trouxeram armas e drogas para a favela, para nós. Não foi a gente que foi buscar ou que procurou ter essa vida. Hoje as comunidades estão super armadas e, além da guerra territorial que nos fizeram viver desde a época da escravidão, quando colocavam um escravo contra o outro para a gente não se unir contra os feitores e os senhorzinhos, nós vivemos essa guerra, né? A gente ainda precisa muito de educação e de conhecimento para sabermos lidar e lutar com outras armas.
TNM: Ao ver o clipe a percepção que tive foi que ele não foi produzido para ganhar dinheiro ou fama, por exemplo. A impressão é que a intenção é denunciar o abuso de poder do Estado nas comunidades. Qual é o propósito dessa música?
Juju: O primeiro propósito da música foi fazer um som que meus amigos e as pessoas da favela onde eu moro, se identificassem e sentissem a mensagem que é de uma mulher do gueto que dá voz para todas as outras mulheres e para todos os outros homens também. Eu fiz o clipe com orçamento zero, o diretor do clipe mora na minha comunidade também, eu tive ajuda de todo mundo. E, realmente, não é isso que busco, eu acho que a fama vai vir com todo um conceito que estou gerando, toda a mensagem que eu quero passar.
TNM: O single Inimiga do Estado precede seu novo EP que tem previsão de lançamento para o primeiro semestre deste ano. Fale sobre o seu novo trabalho: teremos outras letras abordando temas como este, que são comuns à realidade em que você vive?
Juju: Sobre o EP, cada música vai abordar um tema que só quem vive na favela sabe. A próxima música que irei lançar, por exemplo, fala sobre como é você sair da favela e dá um rolê na Zona Sul do Rio de Janeiro, em Copacabana: os perigos que passamos, os preconceitos e nossa forma de se divertir em uma área de ‘playboys’.
Eu pretendo lançar até março o meu EP em parceria com o Fábio Broa e o RZN Records. Agora em janeiro eu vou lançar também um mini-documentário falando sobre o processo de criação de uma música minha chamada “Deixa Livre”. Essa canção tem mais de um ano e foi lançada assim que eu resolvi voltar a cantar, foi a primeira música que eu lancei com esse nome artístico “Juju Rude”.
Confira o clipe de “Inimiga do Estado”