Com o enredo “Senhoras do Ventre do Mundo”, Salgueiro – a quarta escola no Grupo Especial do desfile da última segunda-feira (12), entrou na Sapucaí com a intenção de homenagear e celebrar a mulher negra. A princípio, a escola apresentou elementos da cultura negra com respeito: de yabás à Carolina Maria de Jesus. Entregou ainda ao público uma Pietá negra segurando seu filho também negro, denunciando o genocídio da população negra que se dá principalmente nas chacinas em várias partes do Brasil.
No entanto, apesar da boa vontade em valorizar a mulher negra e seus contextos, o Salgueiro fez uso de blackface – a famosa prática utilizada desde o século XIX para ridicularizar e representar negros, que na época eram proibidos de participar de peças teatrais. Hoje, embora a parcela que representa mais da metade do Brasil não seja vetada institucionalmente de fazer parte dos espaços de exposição, principalmente midiáticos, ainda são minoria. Além disso, o blackface é apresentada em muitas novelas, programas de humor e peças teatrais, embora represente uma prática racista.
Isso se estendeu ao carnaval, por incrível que pareça. Uma escola de primeira linha entrou na Marquês de Sapucaí com integrantes da bateria e da comissão de frente usando tinta preta em seus rostos. E, onde é que estão os integrantes negros da escola, visto inclusive o samba como herança dos povos pretos? A resposta após a polêmica gerada inclusive na internet, com representantes do movimento negro descontentes com a prática, foi simples: liberdade poética.
Hélio Bejani, coreógrafo da comissão de frente do Salgueiro, declarou “Não quero polêmica. Isso é uma manifestação artística, temos licença poética”. Bejani disse ainda que a decisão de pintar os rostos de preto foi tomada em conjunto com o carnavalesco Alex de Souza, que explicou ter se inspirado no trabalho de um fotógrafo estrangeiro que tem belas imagens de negros pintados e, portanto, a polêmica não tem “nada a ver”.
O Salgueiro apresentou ainda homens vestidos de mulheres para celebrar o enredo com que entraram na Avenida. Além disso, a escola caiu na celebração da ama de leite, mulher negra que cuidava do filho branco de seus senhores. Muitas vezes era necessário deixar de lado o seu próprio filho para isso. São essas inclusive as mulheres que aparecem em imagens com crianças brancas montadas em suas costas, como quem brinca de ‘cavalinho’ na época em que amas de leite eram comercializadas. Uma parte do enredo dizia “A preta que me faz um cafuné / Ama de leite do senhor / A tia que me ensinou a comer doce na colher”.
É importante que o carnaval passe a celebrar a história afro-brasileira, mas com empatia e respeito. Outras escolas também fizeram uso dessa prática e também devem saber que é blackface é um artifício racista. Nos próximos carnavais, tragam às suas formações homens e mulheres negros para representar homens e mulheres negros.
Estampar na Avenida essas relações requer estudo, consciência e, sobretudo, responsabilidade. Isso independe de qual escola entra em qual sambódromo. Vale inclusive para o carnaval de rua, onde blackface, redface e yellowface são moda. Respeitem as culturas e evitem polêmicas.