Por Paola Prandini (AfroeducAÇÃO)
Desde o final do século XX, a sociedade brasileira tem assistido, de um lado, à implantação de políticas de ações afirmativas, principalmente, nas universidades, e de outro, ao ataque da grande mídia, abertamente posicionada contra essas medidas. A falta de informações precisas, de um debate qualificado e a postura tendenciosa dos meios de comunicação de massa sobre o tema comprometem o entendimento e a formação de opinião do público.
Segundo dados do último Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), realizado em 2010, que analisou a população brasileira a partir da autodeclaração de cor, cerca de 52% da população se autodeclara negra (entre autodeclarados de cor parda e preta), ocupando a parcela de cerca de 70% entre os mais pobres e de menos de 10% entre estudantes universitários. Tal revelação contrapõe previsões que Batista Lacerda fazia, em 1912, tentando demonstrar que a população negra do Brasil cairia para zero até o ano de 2012.
O Brasil tem pouco mais de 500 anos, dos quais, mais de 350 foram vividos sob escravização. A assinatura da Lei Áurea, na prática, representou a demissão coletiva dos negros escravizados, sem direito a nenhum tipo de indenização ou fundo de garantia. Portanto, são 128 anos de uma falsa abolição, que geram, como consequência, a mesma quantidade de tempo de uma falsa “democracia racial”.
Como protagonistas de urgentes mudanças, ressaltamos a importância da implantação de ações afirmativas, como políticas públicas e privadas, no Brasil. Essas políticas visam garantir igualdades de oportunidades e de acesso a grupos discriminados pela sociedade e estão longe de serem ilegais, discriminatórias e criadoras de um “racismo às avessas”, como defendem alguns. As políticas de ações afirmativas buscam cumprir as prerrogativas ditadas pela Constituição vigente.
É preciso encarar as políticas públicas para a população negra, como, por exemplo, a Lei Federal no 10.639/03, como necessidades urgentes e não-discriminatórias. Para ser antirracista, a política não precisa ser universalista e/ou color-blind. Conforme sentencia a Lei Federal no 10.639/03, não é por darmos mais espaço – ou melhor, algum espaço, visto que não ouvimos falar em África quase em nenhum momento na escola – à cultura negra, por exemplo, nas salas de aula, que estaremos sendo discriminatórios com as outras etnias. Pelo contrário, estaremos dando o devido espaço a cada uma.
Temos, sim, que aprender sobre a história e a cultura africana e afrobrasileira dentro e fora das salas de aula. Além disso, temos, também, dentre outras coisas, que propiciar à população negra a ocupação dos bancos escolares, seja durante os Ensinos Infantil, Fundamental e Médio ou durante – e principalmente – o Ensino Superior.
Caso a parcela da sociedade dominante brasileira – majoritariamente branca – passe a delegar a todos as oportunidades de voz de mudanças e transformações, poderemos viver em um país, cujas racionalizações antigas terão sido descartadas e em que as dívidas sociais, econômicas e culturais com a população negra brasileira tenham sido saldadas.
Paola Prandini é fundadora e diretora da AfroeducAÇÃO, mestra em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e educomunicadora que se move em prol de um país antirracista. Instagram e Twitter: @afroeducacao.